Da Folhapress
SÃO PAULO – A dengue está em crescimento no Brasil. Até a 11ª semana epidemiológica deste ano (19 de março), foram contabilizados 204.159 casos da doença e 43 mortes, de acordo com dados provisórios do Ministério da Saúde.
Os dados superam os registrados no mesmo período do ano passado: 131.520 casos e 30 óbitos. No entanto, ficam abaixo do cenário visto em 2020, também no mesmo intervalo, quando houve 390.684 casos e 106 mortes.
Ricardo Gazzinelli, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), afirma que a dengue é cíclica, sendo comum a alta incidência em alguns anos e a baixa em outros. É difícil saber exatamente o motivo do menor número de casos em 2021, ano pandêmico.
Os períodos em isolamento bloquearam um pouco o ciclo de transmissão, segundo o pesquisador. “Pode ter influenciado. Apesar de a dengue ser transmitida pelo mosquito [Aedes aegypti], o patógeno vai de uma pessoa a outra. É importante mencionar que o monitoramento das doenças, como dengue e a malária, por exemplo, foi afetado porque a atenção foi desviada para a Covid e, com isso, dá a impressão de menos casos”.
Em 2022, até 19 de março, o Centro-Oeste somou 79.446 infecções e incidência de 475,5 casos por 100 mil habitantes, a maior do país.
Em seguida está o Norte, com 19.498 casos e incidência de 103,1, e Sul, com 26.285 registros e taxa de 86,5. O Sudeste, com 56.555 infecções e incidência de 63,1 aparece em quarto lugar, e o Nordeste, com 22.375 casos e incidência de 38,8, fecha o ranking das regiões.
Em epidemiologia, a taxa de incidência é o número de casos novos de uma doença durante um período definido, numa população sob o risco de desenvolvê-la. Para o cálculo, o Ministério da Saúde utiliza como base o dado da população brasileira de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 213.317.639 habitantes.
Em alerta São Paulo tem 42.252 confirmações da doença, o equivalente a 20,7% do total do país, e coeficiente de incidência de 90,6 casos por 100 mil habitantes. Além disso, é o estado com mais mortes por dengue (11), seguido por Goiás (10) e Bahia (7).
E, das dez cidades brasileiras com mais infecções listadas pelo Ministério da Saúde, três são paulistas: Votuporanga, São José do Rio Preto e Araraquara.
Em Votuporanga, a secretária da Saúde, Ivonete Félix, disse que vários fatores influenciaram para esse quadro, incluindo a pandemia. “Ano passado foi muito atípico. Muitos médicos tomaram a Covid-19 como primeira notificação”, disse. “Notificamos 425 casos nesse período em 2020, 33 em 2021 e 206 agora em 2022. Vemos que é maior que ano passado, mas metade de 2020”.
Em março, 1 em cada 5 municípios de São Paulo entrou em alerta de risco de dengue, a maior parte concentrada no interior do estado. O quadro, segundo especialistas, está associado às condições climáticas.
Até o último dia 15, de acordo com monitoramento do Infodengue da FGV (Fundação Getulio Vargas) em parceria com a Fiocruz, 21,39% das cidades paulistas estavam em quadros epidêmicos, de ambiente favorável à transmissão ou que exigem atenção.
Na semana passada, em Franca (a 400 km de São Paulo), uma mulher de 37 anos morreu com suspeita de dengue hemorrágica. Apenas nos primeiros três meses do ano, foram notificados 964 casos positivos, enquanto em todo o ano anterior, 221.
A Secretaria da Saúde de Franca atribuiu o crescimento às chuvas e ao calor intenso deste início de ano. Também afirmou que é preciso considerar “as subnotificações da doença nos anos de 2020 e 2021, por causa da pandemia de Covid-19”.
“A perspectiva para o ano corrente é de níveis recordes de dengue, com expansão significativa da área de ocorrência do mosquito principalmente no Sudeste e Sul do país, provavelmente resposta ao aumento gradativo das temperaturas médias nestas regiões”, afirmou Flávio Codeço Coelho, coordenador do projeto Infodengue da FGV.
Para o médico sanitarista Adriano Massuda, professor da FGV, apesar da época propícia para a proliferação do Aedes aegypti –chuva e calor–, não há o que justifique a alta de casos de dengue.
“A doença tem a especificidade do ciclo do vírus, momentos de crescimento e de queda, mas é fundamental analisar os territórios, identificar as regiões que podem ter nascedouros do mosquito para fazer a intervenção urbana, medidas de saúde pública, de saneamento. Para isso, é fundamental a atuação das equipes de Saúde da Família. Essa é a grande fragilidade que estamos vivendo no Brasil”, afirma.
Segundo o especialista, desde meados de 2016 percebe-se uma desconstrução de políticas que deram certo no Brasil por parte do Ministério da Saúde. A ESF (Estratégia Saúde da Família), que amplia o acesso a serviços de saúde e aumenta o controle de doenças transmissíveis, como a dengue, é um exemplo. E a partir de 2019 foi possível perceber a aceleração do enfraquecimento da Atenção Primária.
“Isso faz com que as equipes na ponta estejam mais fragilizadas. Há um número menor de agentes comunitários de saúde trabalhando no Brasil. Eles têm um papel fundamental de olhar para o território e identificar as regiões de risco para fazer intervenção no momento certo e evitar problemas. Os que ficaram estão sobrecarregados e há desvio de tarefas, pois eles estão cada vez menos indo a campo”, explica Massuda.
Para o pesquisador, essa desconstrução atinge o trabalho dos agentes de endemias, responsáveis pela prevenção e pelo controle de doenças endêmicas.
“Eles também são fundamentais. Estamos alertando isso não é de agora. Isso é uma ameaça de retorno de doenças preveníveis, desde as imunopreveníveis por vacinas. As baixas coberturas vacinais no Brasil são um risco enorme. O número de casos de dengue aumentando é o enfraquecimento das medidas preventivas. Tem que ter um fortalecimento do SUS (Sistema Único de Saúde), da Atenção Primária, das equipes de Saúde da Família e a responsabilidade disso é diretamente do Ministério da Saúde”.
Capital A cidade de São Paulo registrou 758 casos de dengue com coeficiente de incidência em 6,36 por 100 mil habitantes -209 em janeiro, 242 em fevereiro e 307 até 22 de março. Não houve mortes. Os dados, ainda provisórios, estão atualizados até 22 de março.
Nos três primeiros meses de 2021, foram contabilizados 1.580 casos -117 em janeiro, 358 em fevereiro e 1.113 em março, também sem óbitos.