Por Ricardo Ampudia, da Folhapress
SÃO PAULO – Uma série de startups está captando dinheiro para suprir a demanda mundial por carne, sem tirar o bife da mesa ou recorrer a alternativas vegetais. Em vez de criada no pasto, a carne cresce em laboratório, a partir de células-tronco. Saem os fazendeiros, entram os bioengenheiros.
A aposta é que na próxima década o consumidor deve procurar por alternativas mais sustentáveis e inovadoras. A tendência tem até nome: “neonívoros”, pessoas onívoras, com dieta baseada em carne criada em laboratório.
Segundo a Associação de Agricultura Celular (ACS), nos EUA, a produção industrial deve atingir larga escala e distribuição mundial a partir de 2025. Antes disso, prevê apenas pequenas experiências regionalizadas.
O diretor da ACS Kristopher Gasteratos faz uma futurologia ousada no manifesto da entidade, digno de ficção científica, para o que ele chama de “Renascença Neonívora”.
Segundo suas previsões, na década de 2020 a dieta baseada em carne de laboratório deve crescer em 10 a 20% ao ano e atingir até 70% do market share nos países pioneiros.
“O desenvolvimento da carne em larga escala, enfrenta os mesmos obstáculos que os carros autônomos: pesquisa e desenvolvimento, aceitação do consumidor e regulação. Acredito que o desenvolvimento, que está diretamente atrelado ao custo, deve ser um gargalo mais importante do que a regulamentação”, diz Gasteratos.
Tentando tomar a dianteira dessa revolução prometida, startups levantam fundos para conseguir escalar sua produção e sair na frente na corrida pelas prateleira do supermercado. O custo ainda é muito elevado e o preço final não dá chances de competir com a indústria da carne.
A holandesa Mosa Meat -derivada do projeto da Universidade de Maastricht que apresentou o primeiro hambúrguer de laboratório ao mundo- levantou €7,5 milhões (R$ 34 milhões) na sua série A, incluindo um aporte da maior processadora de carne da Suíça, a Bell Foods.
O primeiro hambúrguer da Mosa custou 200 mil euros, hoje, custa nove, ainda bem acima de um tradicional. A empresa espera produzir até dez quilos por semana em 2020, escalando para 50 kg em dois anos.
Outra holandesa no mercado, a Meatable também é pioneira e já levantou US$ 10 milhões (R$ 40,6 milhões) em investimentos para aprimorar seu processo de produção de carne, que não abate os animais.
A grande maioria da indústria produz filés de culturas de células obtidas do soro fetal bovino, um líquido extraído do coração de fetos de vacas abatidas ainda grávidas, uma prática sob fortes questionamentos éticos.
A Meatable diz ter desenvolvido uma técnica que usa células do cordão umbilical de bezerros, que seria descartado pela indústria, sem abater o bebê ou a mãe.
A empresa espera que os bifes cheguem aos restaurantes holandeses até 2022 e pretende também investir na produção de carne de porco, de olho no mercado chinês.
Pensando em um mercado ainda mais distante, Marte, a israelense Aleph Farms realizou em setembro um experimento na Estação Espacial Internacional, onde um bife foi impresso em 3D.
Fruto de uma parceria com uma empresa russa de bioimpressão, o filé espacial não foi consumido pelos cosmonautas, mas enviado de volta à Terra para análise.
“No espaço nós não temos 10 mil litros de água para produzir um quilo de carne. Esse experimento é um marco para atingirmos nossa visão de garantir segurança alimentar para as futuras gerações, ao mesmo tempo em que preservamos recursos”, disse o CEO da empresa Didier Toubia, em comunicado à imprensa.
A Aleph também cultiva células seguindo método não-fatal, coletando tecido por meio de uma biópsia.
O mercado de peixes também tem um plano B. A americana Finless captou US$ 3,5 milhões (R$ 14,3 milhões) para desenvolver uma alternativa à captura massiva de peixes no mar, um dos principais problemas ambientais do fim do século. A Finless também participou do experimento espacial com a Aleph.
Usando células-tronco do tecido muscular de peixe, uma cultura de células se transforma em filés de pescado.
Por ora, a empresa só conseguiu criar uma pasta de peixe, mas espera, em 15 anos, mitigar a demanda por atum azul, um dos peixes mais cobiçados na culinária oriental, com sushi de laboratório.