Da Redação
MANAUS – Acusado de fazer parte de um grupo de policiais que forjaram um flagrante e pediram R$ 5 mil para evitar a prisão de um motorista da Uber – extorsão –, em dezembro de 2017, o Capitão Alberto Neto (PRB), candidato a deputado federal, disse que está sendo alvo de perseguições e que paga o preço por estar incomodando os concorrentes nas eleições de 2018. Na segunda-feira, 17, o candidato entrou com ação judicial para remover uma matéria sobre o caso.
“Só porque eu sou candidato aparece esse tipo de perseguição. Eu tenho a ficha limpa. Sempre coloquei bandido na cadeia. Minha vida toda foi assim. Minha carreira toda policial, nunca tive nenhuma denuncia sobre isso. A denúncia às vezes acontece pelo traficante. Ele acusa disso e daquilo, isso é normal”, afirmou Alberto Neto.
As acusações contra o candidato e os policiais que participaram da ação partiram do próprio motorista da Uber Alexsandro Barbosa Fonseca, que disse à Polícia Civil ter pagado o valor para não ser preso. Os fatos estão narrados no Inquérito Policial 237/2017, assinado pelo delegado Fernando Bezerra de Oliveira Lima.
Conforme o documento, no dia 1° de dezembro do ano passado, policiais militares da VRT-0004 abordaram e revistaram o veículo dirigido por Alexsandro Barbosa – um Voyage de placas PHD-9359 – com dois passageiros – Pedro da Silva de Carvalho e Russiney Pantoja Barbosa. De acordo com a narrativa dos ocupantes do carro, os policiais nada encontraram.
Após a abordagem, Alexsandro, Pedro e Russiney foram colocados em três carros diferentes – uma viatura da Polícia Militar, uma picape branca com policiais e o carro de Alexsandro, que ele mesmo dirigia – e passaram aproximadamente três horas rodando por alguns bairros de Manaus. Ao chegar na Feira da Banana, no Centro de Manaus, Alexsandro disse que os policiais pediram o valor de R$ 5 mil para não o prender.
O motorista afirmou que o sogro dele tinha o valor e os policiais seguiram para o endereço indicado, no bairro São José Operário, onde o pagamento foi feito e Alexsandro liberado.
Depois de liberá-lo, os policiais levaram o carro que ele dirigia à delegacia. Pedro e Russiney disseram que os policiais chegaram a perguntar se eles tinham dinheiro, mas, diante da resposta negativa, os conduziram à delegacia. No local, disseram que haviam abordado apenas os dois no carro, e apresentaram uma quantidade de drogas que, segundo os militares, fora encontrada no Voyage.
O quarto elemento
Antes de levar os dois para a delegacia, os policiais perseguiram e prenderam um adolescente de idade não informada no inquérito, com três sacolas com porções de maconha. Ação policial foi filmada pelo capitão Alberto Neto e transmitida ao vivo em uma rede social. Na delegacia, os policiais disseram que a droga encontrada com o adolescente fora repassada por Pedro e Russiney.
O quarto personagem surgiu, de acordo com os policiais, para sustentar a tese de que os dois homens encontrados no carro eram traficantes de drogas. Eles disseram ter recebido uma denúncia anônima de um “carregamento de drogas na região” e saíram à procura, encontrando os homens no Voyage e o adolescente em um beco próximo.
No depoimento, o adolescente afirmou que não conhecia Pedro e Russiney, mas confirmou que ele vendia drogas no bairro da zona Sul e que a recebia de um fornecedor do bairro Compensa, na zona oeste.
Tecnologia
Para confrontar as versões apresentadas pelos presos e por Alexsandro, que alugava o carro para trabalhar como Uber, o delegado Fernando Lima recorreu à tecnologia. As imagens do sistema de segurança do “Posto dos Taxistas”, na Avenida Manaus 2000, onde houve a primeira abordagem policial, provam que os policiais chegaram às 8h40. No B.O (Boletim de Ocorrência), os policiais registraram a ação como se tivesse acontecido por volta de meio-dia, e a apresentação de Pedro, Russiney e do adolescente, ocorreu às 14h.
O proprietário do Voyage, que tem uma empresa e controla os carros por GPS, foi à delegacia e apresentou ao delegado um relatório do equipamento, mostrando todo o trajeto feito pelo carro naquele 1° de dezembro de 2017. O relatório do GPS confirmava o trajeto contado na versão dos ocupantes do veículo, inclusive a residência do sogro de Alexsandro.
Outra divergência foi entre o relato dos policiais de que haviam prendido apenas os dois homens no carro, com a droga. Alexsandro disse ao delegado que apanhou Pedro e Russiney na Feira da Banana, parou em um local para tomarem café e seguiriam para o destino, quando pararam no posto de combustíveis para abastecer e foram abordados pelos policiais. As imagens da câmera do “Posto dos Taxistas” comprovam que no carro haviam três homens, e não apenas dois.
Outro lado
O Capitão Alberto Neto afirmou que as acusações são “rotineiras” e atacou o responsável pela investigação dizendo que “o delegado deveria estar prendendo os traficantes, mas não estava”. “Era função dele investigar os crimes e botar o traficante na cadeia, coisa que pela incompetência do delegado, ele não fez. A gente vai e faz, e ele vem questionar incoerência no preso. Quer dizer que o delegado é o advogado do traficante?”, questionou o oficial.
Sobre as acusações de que ele e outros policiais teriam recebido valor para liberar o motorista da Uber, o oficial da PM afirmou que não se suja por R$ 5 mil e que é um policial honesto. “Isso pra mim é uma ofensa. Se eu fosse bandido, era melhor eu ter ficado com a droga que ia me dar R$ 100 mil. Mas eu não sou bandido. Eu sou um policial honesto”, disse Alberto Neto.
O capitão Alberto Neto afirmou que os policiais não registraram o nome do motorista do Uber no B.O porque “o cara do Uber não era traficante”. Questionado sobre as acusações de Alexsandro Fonseca, o oficial da PM disse que o motorista “foi pressionado pelos traficantes” a não contar a verdade.
“Não tem nenhuma prova cabal que o Capitão fez isso, que meu policial fez isso. Tem imagens da prisão do traficante, (os policiais) apreendendo oito quilos de drogas. O Uber foi liberado? Pode ter sido um erro. Porém, o cara não era traficante. Mas o traficante ligou para o cara do Uber e pressionou ele. Ameaçou a vida dele para ele depor contra os policiais para poder desqualificar o flagrante, para ele estar solto e continuar a vender droga na cidade”, afirmou.
A reportagem também questionou Alberto Neto sobre o trajeto registrado pelo GPS do carro em que Alexsandro estava. De acordo com o capitão, o longo trajeto aconteceu pela indicação de supostos pontos de drogas pelos “traficantes”.
“A gente pega um traficante e ele vai falando: “tem droga em tal canto”, e a gente vai atrás. Tanto é que a gente pegou outro menor com droga”, afirmou.
Contradições
O inquérito assinado pelo delegado Fernando Lima apresenta doze pontos contraditórios entre os depoimentos dos PMs e os depoimentos do motorista e dos dois passageiros.
O documento também conclui “não haver prova do delito imputado aos nacionais aqui envolvidos [Pedro e Russiney], haja vista a confirmação da existência de substância entorpecente e correspondente convergência de versões fáticas apenas abrange a conduta do menor de idade”.
Entre os “pontos de incoerência”, o delegado afirma que as imagens do sistema de segurança mostram que “nada de ilícito foi encontrado” durante a abordagem que ocorreu no Posto dos Taxistas. As imagens também revelam a apreensão de celulares que não foram exibidos na delegacia.
Liberdade
Russiney Barbosa e Pedro Carvalho tiveram prisão preventiva revogada no dia 26 de dezembro de 2017 pela juíza Luciana da Eira Nasser. Ela levou em consideração o relatório de investigação apresentado pelo delegado Fernando Bezerra de Oliveira, e parecer do Ministério Público do Estado do Amazonas.
Na decisão, a juíza cita “as circunstâncias pessoais dos flagranteados [Pedro e Russiney], que são primários, ostentam bons antecedentes, comprovam possuir residência fixa, trabalho lícito como feirantes”, o que justificou o relaxamento das prisões.
Assista ao vídeo da abordagem policial e da prisão do adolescente:
Abaixo, a conclusão do inquérito e a decisão da juíza Luciana da Eira Nasser: