Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – ‘Muletas políticas’ – temas em que candidatos se apoiam para assegurar a eleição – são dominantes no discurso de candidatos a governador, deputado e senador no Amazonas. A Zona Franca de Manaus, BR-319 e a segurança pública devem voltar aos palanques neste ano, mas o assistencialismo tende a sustentar as promessas de campanha, segundo analistas políticos ouvidos pelo ATUAL.
As ações de assistência à população em vulnerabilidade são consideradas fortes estratégias para conquista de votos, principalmente por conta do longo período de restrições adotadas em razão da pandemia de Covid-19. Nesse intervalo, muitos trabalhadores ficaram desempregados e necessitaram de ajuda para sobreviver, como os auxílios financeiros.
Nas ultimas semanas, políticos do Amazonas já começaram a defender em seus discursos nas redes sociais que a prioridade, agora, é colocar “comida no prato dos amazonenses”. Os detentores de cargos investem na entrega de bens e serviços, e aqueles que já seguraram a “caneta” de governador relembram projetos efetivados no passado.
Assistencialismo
O analista político Helso Ribeiro Filho afirma que o Brasil é um país campeão de desigualdade e, em razão disso, os temas relacionados ao assistencialismo sempre estão presentes nos discursos políticos. “É um país que tem dinheiro e que tem uma gama de miseráveis que é incompatível com a riqueza”, afirma.
Ribeiro Filho afirma que, além das ações sociais, a questão da segurança pública deve compor os discursos políticos. “A cada eleição, temas como melhoria da saúde e de escolas públicas voltam à tona. Junto a esse tema vem a segurança pública, que toca todas as classes sociais. Então, vai ter sempre o paladino, aquele que vai resolver esse problema”, disse.
O analista político Carlos Santiago afirma que, atualmente, o discurso mais forte é o da assistência social, mas problemas estruturais do estado, como os portos, rodovias, produção rural, desenvolvimento no interior e o modelo Zona Franca de Manaus “são temas eternos na agenda de uma classe política que sabe muito bem se manter no poder”.
De acordo com Santiago, tratam-se de temas que têm forte apelo social e que, mesmo diante do descumprimento de promessas de melhorias feitas por governantes no passado, ainda sensibilizam eleitores que têm esperança de mudar de vida. O analista associa essa crença, em parte, ao efeito da publicidade massiva adotada pelos gestores das máquinas públicas.
Na segurança pública, Santiago afirma que nenhum ex-governador conseguiu resolver os problemas relacionados à criminalidade no estado. “O Amazonas e Manaus continua sendo um dos lugares mais violentos do mundo. O índice de violência cresceu. As pessoas estão com medo de sair na rua. Falta policiamento”, disse o analista.
Santiago lembrou que o penúltimo secretário de Segurança Pública, Bosco Saraiva (Solidariedade), se tornou deputado federal, e que Louismar Bonates e Emília Ferraz, que comandaram a SSP-AM (Secretaria de Segurança Pública) e a Delegacia Geral da Polícia Civil do Amazonas recentemente, anunciaram que são candidatos ao cargo de deputado federal.
“Parece que quem é capaz de não resolver o problema é sempre aquele que se coloca no patamar para ser escolhido para representar a sociedade. Se a sociedade tiver consciência de quem teve oportunidade e não foi capaz de resolver os problemas da sociedade, de infraestrutura do estado, certamente, muitos não serão eleitos”, afirma Santiago.
Rodovias
Neste ano, questões relacionadas às rodovias como AM-010, que liga Manaus a municípios do interior como Itacoatiara, e a BR-319 [Manaus/Porto Velho-RO] voltam a ser usadas pelos candidatos para sensibilizar a população, ainda que os problemas de pavimentação e sinalização sejam antigos e aqueles que figuram entre os favoritos ao governo já tenham tido a oportunidade de resolver.
O governador Wilson Lima, por exemplo, anunciou em agosto do ano passado a “maior intervenção na rodovia estadual em 40 anos, com obras em 250,4 quilômetros” na AM-010, mas taxistas e produtores rurais que usam a estrada ainda reclamam da buraqueira e falta de sinalização. Eles chegaram a realizar diversos protestos neste ano cobrando o avanço das obras.
O ex-governador Amazonino Mendes (Cidadania), que é candidato a governador nesta eleição, viajou a Itacoatiara para filmar as condições precárias da rodovia e publicar vídeo nas redes sociais criticando o que chamou de “vergonha” e “torpeza” contra o Amazonas. Mendes disse que a rodovia está “intrafegável” e Itacoatiara está “ilhada”. Amazonino foi quatro vezes governador do Amazonas.
De acordo com Santiago, ambos tiveram a oportunidade de mudar as condições da estrada porque estiveram no comando do estado nos últimos anos – Amazonino foi governador entre 2017 e 2018, e foi sucedido por Wilson Lima. A falta de infraestrutura da rodovia é pleito antigo de taxistas e produtores rurais da região.
Ainda de acordo com Santiago, a duplicação da rodovia AM-010 já foi tema de outros pleitos e deve retornar aos debates. “A AM-010 novamente vira um tema das eleições. A duplicação era tema das eleições anteriores e, agora, vai virar tema da eleição de 2022 por conta desse projeto de revitalização que ainda caminha a passos de tartaruga”, afirma Santiago.
Ao analisar a questão da via que liga Manaus a Itacoatiara, Helso Ribeiro Filho afirma que “é uma rodovia teoricamente estadual, mas cabe a cada município uma contrapartida municipal”. “Qualquer rodovia brasileira que se prese teve ajuda do governo federal, Ministério dos Transportes, então, um joga a bola para o outro”, disse.
O analista afirma que, nesta eleição, ocorrerá o ‘jogo do empurra’. “Eu acredito que um vai tentar jogar para o outro. O ex-governador Amazonino governou o Amazonas quatro vezes. Como ele deixou a rodovia? Um brinco de rodovia? O governador Wilson Lima tem verbas para construir? Quais as parcerias que ele está fazendo? Acho que essa é a discussão”, disse.
Além da rodovia AM-010, Ribeiro Filho cita que deverão ser temas de campanha as rodovias federais BR-319, que liga Manaus a Porto Velho (RO), cuja discussão sobre pavimentação se arrasta há anos, e a BR-174, que liga a capital amazonense a Boa Vista (RR). Ele afirma que esta última tem pontos intrafegáveis.
Pautas antigas
Santiago cita como problemas antigos do Amazonas e que sempre são usados pelos candidatos nas eleições a Zona Franca de Manaus, que gera milhares de empregos no estado. Segundo ele, diversos políticos amazonenses já usaram o modelo econômico para conquistar eleitorado e chegar ao poder.
“Os problemas, os gargalos do estado continuam os mesmos e são usados em todas as eleições como bandeira de manutenção do poder. É o caso, por exemplo, da Zona Franca de Manaus. Todos que passaram pelo Congresso ou pelo governo já se consideraram heróis em defesa da Zona Franca de Manaus”, afirmou Santiago.
“Todos falam em modelos econômicos para somar à Zona Franca de Manaus. O problema é que, passados décadas, nunca foi criado, de fato, outro modelo, mas os discursos em defesa da Zona Franca, de se construir um polo alternativo econômico da Zona Franca, permanece”, completou Santiago.
O analista político cita que Amazonino defendeu como complemento ao modelo Zona Franca o programa Terceiro Ciclo, que tinha objetivo de distribuir implementos agrícolas no interior do Amazonas. Braga defendeu o programa Zona Franca Verde, que concedia incentivos fiscais, e Omar Aziz, as potencialidades de cada município.
Manutenção de poder
Apesar de os maiores gargalos do estado continuarem a impactar na vida do cidadão, Ribeiro Filho associa a manutenção dos mesmos políticos no poder ao jogo de empurra entre os representantes. “Muitos deles depois de eleitos eles atribuem o insucesso daquelas suas promessas não a eles, mas a outros entes federativos”, disse o analista.
Ribeiro Filho afirma que o federalismo brasileiro, às vezes, confunde competências, e boa parte dos políticos fazem promessas que não estão na competência deles. “Eles usam sempre essa desculpa. Eu entendo que, nesta eleição, vai continuar ocorrendo isso: promessas que não estão dentro da competência para as quais os políticos estão sendo candidatos”, afirmou.
Para o analista, a população que não distingue as competências acaba acreditando nas promessas. “Um exemplo: um deputado estadual que promete se empenhar para o asfaltamento da AM-010. Isso está longe da competência dele. Ele pode até fazer uma pressão ao governador, mas este vai dizer que está esperando verba do governo federal”, disse.
Além disso, para Ribeiro Filho, os parlamentares utilizam de um “paternalismo político” para conquistar apoio eleitoral. “Eles conseguem pequenas ajudas para determinadas comunidades. E face à miséria, à carência de determinadas comunidades, uma pequena ajuda os transforma em deuses”, afirmou.
“Essas pequenas ajudas servem apenas para minimizar o sofrimento de alguns e eles se tornam uma espécie de mitos. Outros deputados que são longevos nos parlamentos, às vezes, tem atuação digna de aplauso. Um deputado é eleito para fiscalizar e legislar, tem alguns que cumprem esse atributo de forma correta e a população vai lá e os reelege”, completou.
O analista também cita a questão do poderio econômico nas eleições. “As eleições brasileiras estão cada vez mais caras. Então, alguns utilizam de poderio econômico. Com isso, o seu nome acaba sendo ventilado e reeleito. São vários os vieses que fazem com que um parlamentar permaneça no poder”, disse Ribeiro Filho.
Para Carlos Santiago, o Amazonas tem uma classe política com habilidade de se manter no poder mesmo diante de problemas crônicos do estado não resolvidos. Esses mesmos políticos, segundo ele, têm influências que chegam levá-los a cargos de nível nacional, como ocorreu com Alfredo Nascimento (PL) e Eduardo Braga (MDB), ministros no Governo Dilma.
“O estado do Amazonas tem uma classe política com uma habilidade tão grande de continuar o estado com os mesmos problemas estruturais, os mesmos problemas de grande apelo popular, social, e ao mesmo tempo continuam no poder. Não apenas isso, mas também com forte presença na esfera nacional, a ponto de indicar ministros”, disse Santiago.
Apesar da força política, os problemas “eternos” do Amazonas não são resolvidos porque, segundo Santiago, “é melhor para os políticos se manterem nos seus cargos e no poder em função dos eternos gargalos que nós temos”. “Para esses políticos é mais fácil, pois a Zona Franca é um apelo coletivo. Pega sentimento do cidadão de Manaus”, disse.
“O interior desenvolvido é uma ideia que todo mundo gosta. Construir estradas para tirar o Amazonas do isolamento é uma coisa positiva, mas não há interesse, de fato, de construir algo diferente em termos de desenvolvimento do estado do Amazonas. Sai governo e entra governo e a dependência econômica do estado continua a mesma”, completou Santiago.
Ao citar a publicidade massiva pelos políticos que buscam manter-se no poder ou ascender a outros cargos, Santiago afirma que, no Amazonas, “se criou uma fórmula terrível”. “De um tempo pra cá, a propaganda é muito mais forte, a publicidade, a comunicação, o gasto com comunicação é muito mais forte do que as realizações”, disse Santiago.
“Se você for olhar a comunicação dos governos, a rodovia AM-010 está perfeita, está ótima. Se você for analisar a comunicação na época do Omar [Aziz], a Cidade Universitária estava pronta, praticamente. Então, estamos criando a política da publicidade. Ela acaba criando uma realidade bem distante da vida real das pessoas”, completou Santigado.
A cientista política Liege Albuquerque afirma que, mesmo com os discursos retóricos, “há uma população mais bem informada”. “Penso que o eleitor está bem mais treinado contra isso e a internet serve para, quem quiser, fuçar passado de candidatos, se cumprem promessas ou não e, quando são novatos na política, ir atrás de suas vidas profissionais e pessoais via redes sociais”, afirmou.
Critérios
Carlos Santiago afirma que a população deve avaliar com cuidado os discursos dos candidatos. “Se a sociedade tiver consciência de quem teve oportunidade e não foi capaz de resolver os problemas da sociedade, de infraestrutura do estado, certamente, muitos não serão eleitos”, afirmou.
Para Liege Albuquerque, o discurso retórico é da política, e cabe ao eleitor “saber ler as entrelinhas”. “É natural que seus guetos de voto continuem com eles, mas há uma população mais bem informada que sabe o que cada um fez, essa que está atenta à internet, às redes sociais”, disse.
Helso Ribeiro Filho também reforça a ideia. “Cabe a população saber distinguir discursos muitas vezes que não correspondem a fatos. O Cazuza tem uma música que fala isso: as ideias, às vezes, não correspondem aos fatos e a piscina fica cheia de ratos. E o tempo não para”, afirmou.