Por Guilherme Genestreti, da Folhapress
CANNES, FRANÇA – O drama brasileiro “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão” , de Karim Aïnouz, levou o prêmio de melhor filme da seção Um Certo Olhar, que integra a seleção oficial do Festival de Cannes.
É uma das maiores vitórias do cinema nacional nessa que é a principal mostra de cinema do mundo. Ao receber a honraria, o diretor disse que o Brasil está passando por um “momento de intolerância muito forte”, com “ataques gigantescos” à cultura e à educação. “Dedico à vivacidade do cinema brasileiro.”
Aïnouz dedicou o prêmio ainda a Fernanda Montenegro, que atua no longa, e a todas as mulheres do mundo. “Que o futuro seja melhor do que o presente”, disse.
Inspirado no livro homônimo de Martha Batalha, a trama gira em torno de duas irmãs que são separadas e acabam vivendo vidas, cada uma à sua maneira, assoladas pelo machismo. A produção deve estrear em novembro no país.
Criado numa família de mulheres, Aïnouz conta que, antes de aceitar o convite para dirigir o filme, já nutria um desejo de falar da geração de sua mãe e se embrenhar nas histórias de pé de ouvido que escutava na infância -e também nas que não escutava.
“A gente sempre sabe como foi a primeira noite deles, mas nunca como foi a delas”, disse em entrevista à reportagem, dois dias antes de receber o prêmio.
Para se lançar nas filmagens, o cineasta fez entrevistas com mulheres que viveram naqueles anos e sondou suas experiências sexuais e a vivência delas numa década em que o ginecologista ainda se dirigia aos maridos para comunicar qualquer coisa que houvesse com as pacientes.
Para entrar nesse terreno ele se vale das convenções do melodrama, mas o revisita sob as cores saturadas que marcam a sua obra. As cenas carregadas que recriam a boemia carioca dos anos 1950, aliás, remetem a seu “Madame Satã”, mas embaladas para falar com um público bem maior do que o nicho.
“Eu queria falar com esses milhões de pessoas que votaram nesse governo. E o melodrama é a forma de chegar às pessoas de forma mais eficaz”, diz o cineasta, que cita a teledramaturgia de Janete Clair e tece elogios à época em que “as novelas eram boas”.
O prêmio vem numa época conturbada para a produção audiovisual nacional. A Ancine, agência que financia a atividade, foi emparedada pelo Tribunal de Contas da União, que questiona a forma como a entidade fiscaliza e aprova seus projetos.
Neste ano, o Brasil dá as caras em seis produções no Festival de Cannes. Além de “A Vida Invisível”, há “Bacurau”, de Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho, na competição principal do evento, e “Sem Seu Sangue”, de Alice Furtado na seção paralela Quinzena dos Realizadores.
O país também é coprodutor de “O Traidor”, do italiano Marco Bellocchio, que concorre à Palma de Ouro, e dos longas americanos “Port Authority”, de Danielle Lessovitz, e “The Lighthouse”, de Robert Eggers. Esses dois últimos, além de “A Vida Invisível”, são produzidos pela paulista RT Features.
O prêmio recebido pelo longa de Aïnouz se soma a outros que o cinema brasileiro já recebeu nas 72 edições do festival. Em 1962 o país recebeu a Palma de Ouro com “O Pagador de Promessas”, e em 1969, Glauber Rocha venceu como melhor diretor por “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”. Também já foram premiadas as atrizes Fernanda Torres, por “Eu Sei Que Vou Te Amar” (1986), e Sandra Corveloni, por “Linha de Passe” (2008).