“Oh, look at him” (Eu não podia perder a oportunidade, rs)
Peço licença poética por ter parafraseado o queridíssimo youtuber e nutricionista Rodrigo Góes. As frases aqui usadas foram para questionar se a repavimentação e reativação da BR-319 representa ou não o tão sonhado PROGRESSO que tantos acreditam, sobretudo a classe política. O que, de cara, já deveria nos levar a desconfiança. Então vem que a tia te explica que “no meio do caminho havia uma BR-319, havia uma BR-319 no meio do caminho”, parafraseando de novo, e dessa vez o lendário escritor brasileiro Carlos Drummond de Andrade.
Como eu adoro um contexto histórico, então lá vai. Sabe a ditadura militar? Pois é, foi nesse período saudoso para a extrema-direita e pavoroso para qualquer um que estudou História do Brasil, que iniciaram as obras da Transamazônica (que é a BR-230, aquela que não deu certo também) e da nossa BR-319.
A ideia de fazer a Transamazônica era a sanha dos militares da época com aquela célebre frase “Integrar para não entregar”. Eles acreditavam que essa estrada ajudaria a “desenvolver” a Amazônia. Ela chegou a ser inaugurada, mas adivinha? Nunca foi concluída e com tempo foi desativada. Já em 1972, iniciaram as obras para a construção da BR-319. Para isso, derrubaram parte da floresta, e, no dia 27 de março de 1976, foi inaugurada pelo Presidente Ernesto Geisel. Como não foram feitas as manutenções periódicas, uma parte dela foi tomada por floresta e acabou ficando intrafegável. Ou seja, as duas estradas supracitadas viraram dois lindos e simpáticos elefantes brancos.
A BR-319 voltou ao centro das discussões de novo no Governo FHC, mas só no Governo Lula que houve alguns avanços tímidos novamente. A partir daí, chegou-se à conclusão de que ela precisaria ser reconstruída. Portanto, reiniciaria o processo de licenciamento ambiental para asfaltar a estrada. Não passou daí, o Ibama reprovou todos os estudos de impacto ambiental na época.
Em 2022, sob o Governo Bolsonaro, o órgão ambiental concedeu a licença. Dois problemas surgiram: vários indícios de grilagem de terra (invasão de área em que se usam documentos falsos para comprovar que a propriedade tem “dono”, no caso, dono = quem roubou/invadiu a terra). O segundo agravante é que não conversaram com moradores nas adjacências da área – isso inclui povos indígenas – sobre a reconstrução da estrada.
Um problema plus: já ouviram falar da AM-366? Na verdade, ela é uma invasão que foi feita, transformaram em ramal para continuar invadindo mais terras e desmatando a floresta, aí passaram a chamar carinhosamente de estrada AM-366. Um exemplo clássico da chamada “espinha de peixe”, que são esses ramais abertos sem nenhum controle ou fiscalização, ilegalmente, claro. Uma simpatia, não?
Então, quem defende a reconstrução da estrada? Em suma, a classe política. Como possui a máquina, utiliza-se dela para convencer as pessoas de que a BR-319 não só trará progresso como também melhorará a logística e seus custos como também conectará o nosso estado ao restante do Brasil (lembrando que a estrada liga o Amazonas a Porto Velho).
Os ambientalistas, como o pesquisador Phillip Fearnside, uma das maiores referências mundiais em estudos sobre a Amazônia alega, a partir de estudos feitos, que não haverá necessariamente uma queda nos custos de transporte e afins para o Amazonas. É importante dizer que essa discussão que já se estende há décadas, volta ao centro do tabuleiro agora com os índices de desmatamento altíssimos.
E por falar em desmatamento, estão sentindo um calor fora do normal no Amazonas? A mudança climática é real e está acontecendo diante dos nossos olhos. Chegaremos em um patamar que não conseguiremos mais reverter o jogo e a tendência é ter períodos de calor mais intenso. Existe uma relação direta da supressão da floresta com o aumento elevado da temperatura.
Para quem não sabe, a Floresta Amazônica é responsável pela regulação do clima no país, incluindo a incidência de chuvas. Traduzindo: quanto menos floresta, menos chuva. Menos chuva, menos AGRO (aí nem Pop, nem Tech, amigos, porque simplesmente ficará quase impossível plantar no Brasil).
O que fazer então? Bom, se é pra reativar a estrada, verifique-se os melhores meios possíveis para gerar o mínimo de impacto ambiental com medidas de mitigação que sejam seguidas à risca, onde todos os órgãos ambientais sejam ouvidos e considerados, que se faça mais audiências públicas com todas as partes interessadas presentes (isso inclui os povos indígenas da área), deixando claro para todos os riscos também dessa obra, e não fazendo parecer que é só maravilha, porque não é.
A ideia de progresso precisa ser, antes de qualquer coisa, compreendida. Derrubar parceladamente os recursos florestais que ainda temos e que lembro a vocês, NÃO É INFINITO, só coloca em risco a nossa própria sobrevivência. E Isso não é terrorismo, até porque os efeitos das escolhas feitas por quem tem a caneta nas mãos, nós já estamos sentindo na pele, literalmente. Vale o custo? Deixo a reflexão pairando sobre vossas mentes.
Pessoalmente, a autora aqui preferiria que deixassem a estrada como está e investissem em um sistema hidroviário efetivo no Amazonas, aproveitando a imensidão de rios que temos.
Sabrina Castro é Administradora, Cientista Ambiental e graduanda em Ciência Política
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Mais um arauto (a) do atraso!