Por Ricardo Della Coletta, Renato Onofre, Gustavo Uribe, Daniel Carvalho e Thiago Amâncio, da Folhapress
BRASÍLIA-DF E SÃO PAULO-SP – O apelo por união feito pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em rede nacional de rádio e televisão não convenceu governadores e lideranças no Congresso, para quem seu histórico de radicalização não o deixa em condições de assumir as rédeas de um esforço de pacificação nacional para coordenar o combate ao novo coronavírus.
A avaliação de chefes de governo nos estados e de parlamentares ouvidos pela reportagem é que pouco deve mudar nos constantes atritos com o Palácio do Planalto.
Se essas lideranças terminaram de assistir o pronunciamento de Bolsonaro na TV na noite de terça-feira, 31, com alguma esperança de moderação, uma nova publicação do presidente em suas redes sociais na manhã dessa quarta, 1º, restabeleceu a sensação geral de ceticismo. Em seu pronunciamento, Bolsonaro falou em “um grande pacto pela preservação da vida e dos empregos”, elencando “Parlamento, Judiciário, governadores, prefeitos e sociedade”.
Menos de 12 horas depois, Bolsonaro compartilhou um vídeo em que um homem aparece no Ceasa (Central de Abastecimento) de Belo Horizonte e relata situação de falta de produtos, citando “fome, desespero e caos”. A culpa, prossegue a pessoa no vídeo, é dos governadores.
Com o vídeo, Bolsonaro postou três frases: “Não é um desentendimento entre o presidente e alguns governadores e alguns prefeitos”; “São fatos e realidades que devem ser mostradas”; “Depois da destruição não interessa mostrar culpados”.
O CeasaMinas contestou o conteúdo da publicação, negou desabastecimento e disse que a movimentação no centro segue normal. Diante do desmentido, Bolsonaro apagou a mensagem.
Depois, pediu desculpas por ter compartilhado o vídeo. “Quero me desculpar, não houve a devida checagem do evento. Pelo que parece aquela central de abastecimento estava em manutenção. Quero me desculpar publicamente, foi retirado o vídeo rapidamente. Acontece, a gente erra na notícia. Eu tenho a humildade de me desculpar sobre isso”, declarou, em entrevista ao apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes.
O episódio reforçou a estratégia dos governadores de centralizar suas demandas no Congresso e nos ministros Paulo Guedes (Economia) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde).
“Eu, ontem, como cidadão, como brasileiro e como governador, fiquei feliz de assistir um presidente da República mais moderado e com bom senso, colocando uma mensagem equilibrada à população brasileira”, declarou à imprensa o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
“Mas amanheci preocupado, vendo o mesmo presidente da República numa postagem agredindo os governadores. Em qual presidente da República nós devemos confiar?”, acrescentou.
“O vergonhoso vídeo da Ceasa mostra o que realmente pensam Bolsonaro e o seu núcleo íntimo. Resta-nos a esperança de que o seu isolamento seja tamanho que ele seja objetivamente forçado a pactos, mesmo que não queira. Se ele efetivamente deixar de ser desleal, creio que a imensa maioria dos governadores está pronta a ajudar”, afirmou o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B).
Outros três governadores, que pediram para não ser identificados, vão na mesma direção. De diferentes partidos, eles cobram mais coerência e menos retórica do governo federal, além de maior agilidade na liberação do pacote de socorro aos estados e de auxílio a informais para fazer frente ao período de paralisação da economia.
Um dos exemplos mais citados pelos governadores é a prometida suspensão do pagamento da dívida com a União. O compromisso ainda não saiu do papel, e diversos estados tiveram que recorrer à Justiça para garantir o não pagamento de uma parcela que venceu na segunda, 30.
Para evitar batidas de frente com Bolsonaro, líderes que estão em conflito aberto com o mandatário têm tentado tocar demandas de seus estados com ministros considerados mais pragmáticos.
Um dos principais antagonistas do presidente, o governador Wilson Witzel (PSC), do Rio, negocia diretamente com Guedes a antecipação de partes dos recursos da Cedae (companhia de água e esgoto do estado) previsto para outubro, cuja outorga é calculada em R$ 11 bilhões.
A insatisfação com a forma de atuar de Bolsonaro extrapola os governadores e é compartilhada da centro-direita à esquerda no Congresso Nacional. Deputados e senadores classificaram o presidente como ‘irresponsável’ e ‘incontrolável’, alguém que não transmite segurança suficiente para guiar o país na crise. As queixas foram externadas pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), durante um evento organizado Bradesco.
Maia afirmou que Bolsonaro perde a oportunidade de construir pontes e repactuar as relações com o Congresso e com os governadores em favor de alimentar sua militância virtual. “A relação entre o Parlamento e o governo não se encaminhou para um afastamento definitivo por causa da crise (do coronavírus)”, disse.
Parlamentares afirmaram que as postagens feitas pelo presidente na manhã desta quarta trazem uma imprevisibilidade desnecessária. “O presidente só sabe causar caos. É assim que ele trabalha”, afirmou o deputado Paulo Pereira da Silva (Solidariedade-SP), um dos líderes do chamado centrão.
O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), minimizou o desconforto. “Imprevisível? Ele é o mais previsível que tem. Ele foi assim por 30 anos no Parlamento. E os 58 milhões que o elegeram o elegeram por ele ser assim”, afirmou o senador.
Entre auxiliares palacianos, a explicação para o novo capítulo de radicalização é que Bolsonaro se encontra pressionado entre duas forças de seu governo. A ala moderada quer trégua com os governadores e mais alinhamento com orientações de sanitaristas pelo isolamento; o grupo ideológico e empresários pregam a volta à normalidade.