Por Eduardo Cucolo e Nathalia Garcia, da Folhapress
SÃO PAULO E BRASÍLIA- O Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central elevou a taxa básica de juros de 9,25% para 10,75% ao ano nesta quarta-feira (2). Desde julho de 2017, a taxa Selic estava abaixo dos dois dígitos, período em que foi reduzida diante de uma inflação em queda e uma atividade econômica praticamente estagnada.
O BC também sinalizou que o ciclo de aperto iniciado em março do ano passado não chegou ao fim, diante de uma inflação ainda resistente e que ameaça estourar a meta pelo segundo ano seguido.
Mas disse em seu comunicado que, em relação aos seus próximos passos, o comitê antevê como mais adequada, neste momento, a redução do ritmo de ajuste da taxa básica de juros em sua próxima reunião.
Segundo o Copom, essa sinalização reflete o fato de que os efeitos cumulativos do ciclo de aperto monetário ainda se manifestarão ao longo dos próximos meses.
Na reunião anterior, em dezembro, o BC também elevou a taxa em 1,5 ponto percentual e indicou que faria nova alta da mesma magnitude neste início de ano. Por isso, todos os analistas consultados pela Bloomberg já esperavam esse aumento. O comitê volta a se reunir agora nos dias 15 e 16 de março.
O ciclo de aumento dos juros no Brasil –oito altas seguidas, totalizando 8,75 ponto percentual– é o maior entre as principais economias do planeta. Em março do ano passado, a taxa básica estava em 2% ao ano, menor patamar desde a criação do Copom, em 1996.
A Selic está agora no maior patamar desde maio de 2017, ainda no governo de Michel Temer (MDB), quando os juros eram de 11,25% ao ano.
Esse é também o maior ciclo de aperto desde a criação do sistema de metas de inflação, quando a taxa básica subiu de 25% para 45% ao ano, em março de 1999, diante do fim do regime de câmbio fixo.
A alta de 8,75 pontos percentuais desde o ano passado também supera o aumento de 8,50 pontos visto de outubro de 2002 a maio de 2003, na transição entre os governos FHC e Lula.
De acordo com o relatório Focus desta semana, em que o BC divulga projeções do mercado, economistas esperam que os juros fechem 2022 a 11,75% ao ano. Em 2023, cairia para 8% ao ano.
O choque de juros é uma resposta do BC à escalada de preços observada desde o fim do ano passado e às sucessivas revisões para cima das expectativas de inflação para o próximo ano.
“O Copom enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar a convergência da inflação para suas metas, e dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária”, disse o comitê em seu comunicado desta quarta.
O Copom considera que, diante do aumento de suas projeções e do risco de desancoragem das expectativas de inflação para os próximos anos, é apropriado que o ciclo de aperto monetário avance significativamente em território contracionista.
“O Comitê enfatiza que irá perseverar em sua estratégia até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.”
Segundo o BC, uma possível reversão, ainda que parcial, do aumento nos preços das commodities internacionais em moeda local produziria trajetória de inflação abaixo do cenário de referência. Por outro lado, diz a instituição, políticas fiscais que impliquem impulso adicional da demanda ou piorem a trajetória fiscal futura podem impactar negativamente preços e o prêmio de risco do país.
Para a instituição, apesar do desempenho mais positivo das contas públicas em 2021, a incerteza em relação ao arcabouço fiscal segue mantendo elevado o risco de desancoragem das expectativas de inflação.
O Brasil fechou 2021 com a quarta maior inflação entre 44 economias destacadas pela OCDE e deve terminar 2022 entre as nove maiores taxas ao consumidor, segundo projeções e dados coletados pela instituição que reúne as economias mais relevantes do planeta.
Além disso, o IPCA (índice de preços ao consumidor) deve superar a meta de inflação pelo segundo ano seguido. As projeções de mercado coletadas na pesquisa Focus são de uma taxa de 5,38% em 2022, sendo que a meta é de 3,50%, com limite de tolerância até 5%. No ano passado, a inflação foi de 10,06%, para um limite de 5,25%.
As projeções divulgadas pelo BC nesta quarta são de 5,4% para 2022 e 3,2% para 2023.
Em sua avaliação do cenário atual, o Copom afirmou que no cenário externo, o ambiente segue menos favorável, pois a maior persistência inflacionária aumenta o risco de um aperto monetário mais célere nos EUA, tornando as condições financeiras mais desafiadoras para economias emergentes.
Além disso, a nova onda da covid-19 adiciona incerteza quanto ao ritmo da atividade, ao mesmo tempo que pode postergar a normalização das cadeias globais de produção, segundo o comitê.
Em relação à economia brasileira, diz que indicadores relativos ao quarto trimestre tiveram evolução ligeiramente melhor que a esperada, em particular os relativos ao mercado de trabalho. Já a inflação ao consumidor seguiu surpreendendo negativamente e diversas medidas apresentam-se acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta.
Na carta aberta divulgada no mês passado para explicar o não cumprimento da meta, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, atribuiu o resultado a sucessivos choques de custos, como elevação do preço de commodities junto com a depreciação do real, bandeira de escassez hídrica na energia elétrica e desequilíbrio entre demanda e oferta de insumos, além de gargalos nas cadeias produtivas globais gerados pela pandemia.
Rafael Ihara, economista-chefe da Meraki Capital, afirma que a redução no ritmo de alta dos juros a partir de março está de acordo com as expectativas do mercado. Ele projeta uma alta de mais 1 ponto percentual, para 11,75%, no mês que vem, e um aumento de mais 0,50 ponto, para 12,25%, em maio, encerrando o ciclo de alta de juros.
“Já estava precificada uma alta menor na reunião de março. A dúvida era se ele [Copom] seria explícito ou não. Ele preferiu deixar de forma bem clara a redução de ritmo na reunião seguinte”, afirmou.
Ihara diz que, a partir de maio, o foco do BC passa a ser a inflação de 2023, dada a defasagem entre a alta de juros e seus efeitos mais fortes na economia.
Ele lembra que o país passou de uma taxa de juros real (descontada a projeção de inflação para 12 meses) de cerca de -1% para quase 7% ao ano e que grande parte do impacto desse aperto ainda será sentido em 2022.
Para ele, o momento do início do ciclo de queda de juros vai depender agora da questão eleitoral, que pode adiar o primeiro corte para 2023.