MANAUS – Neste fim de ano assistimos a dois casos de banalização e desprezo à Constituição Federal e à Constituição do Estado do Amazonas. No plano federal, o Congresso queria dar interpretação avessa à letra viva da Constituição da República; no plano estadual, os deputados mudaram a Lei máxima em alguns minutos para satisfação pessoal de uns poucos.
O presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre, e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, queriam concorrer à reeleição para seus cargos, contrariando o Artigo 57, Parágrafo 4°, da Constituição Federal.
“§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.”
Como se vê, a letra da Constituição Federal não deixa qualquer sobra de dúvida sobre a proibição de os presidentes das duas casas serem reeleitos na mesma legislatura. Mas eles recorreram ao Supremo Tribunal Federal para que os ministros dessem a última palavra. Felizmente, sete ministros não permitiram que o Congresso driblasse a Lei Maior do país.
No Amazonas, os deputados, insatisfeitos com a estratégia de um grupo de deputados que queria eleger-se para a Mesa Diretora com o apoio do governador, decidiram mudar a Constituição Estadual para antecipar a eleição da Casa e eleger um grupo adversário.
A mudança na Constituição aconteceu como um relâmpago. Uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) foi apresentado à CCJ pela própria CCJ (nenhum parlamentar assumiu a autoria da matéria), foi apreciada pelos membros da comissão em três minutos, seguiu para uma Comissão Especial criada às pressas e também tramitou e foi aprovada em três minutos, e, em seguida, foi aprovada em plenário em dois turnos em menos de uma hora. Por fim, foi promulgada e publicada no Diário Oficial eletrônico da Assembleia Legislativa, e pronto, a Constituição estava mudada.
Ora, se é possível mudar a lei máxima do Estado em uma hora, que garantias o cidadão amazonense tem em relação às leis.
A própria Constituição Estadual e o Regimento Interno da Assembleia impõem regras que impossibilitam a aprovação de uma emenda constitucional no tempo que os deputados aprovaram, na quinta-feira, 3, na Assembleia do Amazonas. Vejamos:
1) Não há na Constituição previsão de uma comissão apresentar Proposta de Emenda. O Artigo 32 da Constituição estadual diz que a emenda pode ser apresentada por “um terço, no mínimo, dos membros da Assembleia Legislativa”.
2) O Regimento Interno da ALE, no seu Artigo 89, repete o que dia a Constituição sobre a apresentação de emenda: “A Proposta de Emenda à Constituição do Estado pode ser apresentada pelos seguintes autores: I – terça parte dos Deputados;”.
3) O Regimento Interno da ALE, no Artigo 91, que trata da tramitação, diz que “a Proposta de Emenda à Constituição do Estado tramita mediante as seguintes regras:
I – o presidente despacha a proposta à Comissão de Constituição, Justiça e Redação para exame e parecer preliminar de sua admissibilidade;
II – efetivada a admissão, o presidente constitui uma comissão especial, mediante designação, atendendo a acordo de lideranças;
III – a matéria é distribuída em avulsos e noticiada na pauta durante cinco dias para receber emendas na Comissão Especial;
IV – a Comissão Especial emite parecer no prazo de vinte dias, a contar do término do prazo de apresentação das emendas;
VII – a proposta é discutida e votada em dois turnos, com interstício mínimo de cinco dias, de modo nominal, sendo aprovada pelo voto de três quintos dos Deputados, em cada turno;”
Como se vê, pelas regras do regimento, a tramitação deveria demorar, pelo menos, dez dias desde a apresentação na Casa.
Depois de derrubada a emenda e cancelada a eleição por um desembargador do Tribunal de Justiça do Amazonas, o presidente eleito da Assembleia, Roberto Cidade, disse que não houve ilegalidade, porque 16 deputados aprovaram a emenda.
Não foi a primeira vez que esse tipo de manobra é vista na Assembleia Legislativa. Em
Não dá para brincar com a Constituição Estadual e nem com a Constituição Federal. A tramitação de emendas nos parlamentos é mais difícil do que outras matérias, exatamente para não se mudar com tanta facilidade.
Quando não se obedecem mais as regras para alterar a Lei Maior do estado e ou a Carta Magna do país, os cidadãos ficam extremamente vulneráveis.