Por Ismael Benigno
Caso alguém se interesse, estão aí os arquivos de 2005 e 2006, neste blog, que mostram quanto critiquei Lula e seu PT por tudo o que vinha ocorrendo. O “maior escândalo da história”, segundo a VEJA, e a “AP 470” ou “o chamado mensalão”, para a torcida organizada do PT, era o assunto do ano. Com o tempo e com a velocidade do Judiciário, meu interesse acabou. Dá um sono danado falar em mensalão, em Lula, em “presidenta”, em “elites”, em “companheiros”. Mas não tem jeito, a gente acaba lendo o noticiário e fazendo juízo. Portanto, do que venho lendo, me saltam duas impressões fortes:
Primeiro. O PT precisa decidir como encarar o que chama de “AP 470”, se de grande farsa ou de crime igual ao dos tucanos. Digo isso porque, no mais das vezes, vejo esse comportamento bipolar: num momento, há a negação do crime; no outro, a acusação de que o outro fez igual e não foi punido. Ontem Lula disse achar que as leis só valem para o PT, que teve quatro de seus homens presos. Há empresários, ex-banqueiros e executivos presos no mesmo bolo – ao todo foram até agora 12 presos –, mas Lula precisa dar a versão petista da história, a de que “as elites” (como ele sempre chamou banqueiros, empresários e executivos) ficaram livres, e os “heróis do povo brasileiro” foram os únicos punidos. E isso é mentira. O que sobra da nada saudosa verborreia de Lula é a negação da negação. A cada vez que petistas dizem “Agora vamos o julgar o mensalão tucano!”, grita aos ouvidos da lógica a frase “Justiça igual para crimes iguais!”. E toda a farsa de que tudo é farsa vai por água abaixo, companheiros.
Do outro lado, a acusação de que, com o mensalão, o PT tentou dar um golpe na democracia, é ainda mais fantasiosa. Ou por outra, já que o liberalismo de mercado gosta tanto de sarcasmos: os anticapitalistas do PT provaram a força das leis de mercado. Compraram deputados porque estes estavam à venda. E quem pode ir contra o livre mercado? Golpe na democracia, neste caso, quem deu foram os deputados que se venderam, se o exercício é apenas de lógica básica. Aprofundando mais a coisa, porém, qual a diferença entre petistas comprando apoio sem muito cuidado, na grana crua mesmo (e é disto que tratou o mensalão), e democratas, pesebistas, tucanos, comunistas, progressistas, pesedistas e até psolistas, em posições de comando, mantendo seu apoio parlamentar com a destinação de verbas, regalias, mordomias e agrados a vereadores ou deputados de suas bases de apoio, em qualquer canto deste país? Que nome, senão mensalão, se dá ao cargo comissionado de parentes de parlamentares em troca de votações favoráveis? Que dinâmica tão diferente há entre o pagamento em cash petista e os contratos fraudados, direcionados a empresas de fachada das famílias dos parlamentares da base aliada de qualquer prefeito e governador?
A democracia brasileira vem sendo golpeada desde que nasceu. Antes por oligarquias familiares, militares, de nobreza, de elites econômicas etc. Hoje é golpeada também por quem diz defende-la. Se há uma conquista social que a ascensão das esquerdas trouxe ao Brasil, não foi o primeiro carro, a casa própria ou a primeira viagem de avião, mas a primeira licitação fraudada, o primeiro conluio empresarial, o primeiro jantar pago com dinheiro roubado, o primeiro vinho Bordeaux, a primeira gravata italiana, a primeira cobertura, o primeiro haras, a primeira orgia com verba de gabinete. Neste quesito, os “10 anos de governo popular” foram realmente revolucionários: se antes isto era privilégio apenas da nobreza, agora as esquerdas proletárias também já sabem o que é luxo com dinheiro roubado do povo. Entre ladrões antigos e ladrões novos, amigos, a única diferença é a destreza com os talheres de lagosta, que uns têm há mais tempo do que os outros. A lagosta roubada é a mesma.
O fingimento da imprensa, de que havia ali algo de novo na escandalocracia nacional, é nojento, porque todos sabemos que, no fim das contas, petistas e não petistas, conservadores e esquerdistas, heróis e banqueiros, militantes e executivos, ativistas e empresários não querem saber de outra coisa senão ficar no poder. No Brasil, para isso, é preciso comprar os outros, com cargos ou dinheiro vivo, com emendas ou dólar na cueca, com contratos complexos ou envelopes de dinheiro. De que adianta saber que a roubalheira tucana é mais elegante, mais complexa, mais elaborada, mais profissional, e a roubalheira petista é mais grosseira, mais deslavada, mais violenta, mais crua e mais cara de pau? Ora, é tudo roubalheira. Propina desviada de consórcios de multinacionais por tucanos para offshores é o mesmo que dinheiro na cueca do assessor do irmão do Genoino.
Se vale a máxima de que “todo mundo faz, então vou fazer também”, nada mais me admira. Nem o menino que joga lixo no chão, nem o motorista que usa o acostamento nem o político de esquerda que, sem muita paciência para negociar com ladrões, decide compra-los de uma vez e governar – para roubar. O cidadão comum está muito ocupado ultrapassando pelo acostamento para prestar atenção ao roubo dos políticos que elegeu.
A eterna briga ideológica de torcidas é, portanto, patética. Não há coisa mais inútil, nos idiotas úteis das militâncias de direita e esquerda, do que achar que malas de dinheiro respeitam colorações ideológicas. A maior derrota das esquerdas, no caso do mensalão (ou da “AP 470”, como queiram) é a comprovação científica do fenômeno batizado de “mercado”. Pode haver demonstração menos suspeita do que petistas mostrando que dinheiro é bom, Romanée-Conti é bom, Piantella é bom, cobertura em Copacabana é bom, pousada em Vinhedo é bom, apartamento em Paris é bom, deputado ladrão comprado por 30 mil é bom? Não há. Para a direita, a briga não é contra a corrupção, mas a corrupção petista. O problema para a elite tradicional, portanto, não é o roubo, mas pobre roubando. É ou não uma constatação triste? Não se trata mais de acesso a escolas, planos de saúde melhor, carros, casa própria nem dignidade. A briga não é pelo que o petismo trouxe de bom, mas pelo que trouxe de ruim. Luís Roberto Barroso disse, durante o julgamento: “Não existe corrupção do PT, do PSDB ou do PMDB. Existe corrupção. Não há corrupção melhor ou pior.”
Há duas farsas aí. A farsa petista de que era tudo farsa e a farsa oposicionista de que o escândalo era maior do que qualquer outra coisa no país. Não era. Em termos absolutos (dinheiro mesmo), o mensalão foi troco perto do que já se roubou e se rouba ainda hoje no Brasil. Virou simbólico porque foi descoberto. E foi descoberto porque o PT chegou com muita sede ao pote. E disto pode sair uma lição importante. Em vez de brigar com as antigas oligarquias de direita, a esquerda devia tomar umas aulas sobre como roubar com calma, com método, com planejamento, com cuidado. Quem roubou o país durante séculos passados tem muito a ensinar a quem quer roubar pelos próximos séculos. Neste país, mais importante do que roubar é como roubar sem ser pego.
Para esta imprensa hipócrita, o recado à mentira do “maior escândalo” de corrupção da história é um sonoro bocejo e o recado para que não estraguem o sabor dos fatos colocando tempero a mais. No caldo da corrupção exposta e escancarada à opinião pública brasileira, quanto menos tempero melhor. E cozinheiro que tempera demais a comida não deixa de ser um farsante.
A corrupção brasileira é iguaria que dispensa essas coisas.