Um levantamento lançado ainda no fim de 2018 pela empresa Zion Market Research apontou que o mercado de apostas esportivas movimentou cerca de USD 104 bilhões em 2017, e a expectativa é que supere os USD 155 bilhões em 2024. Nesse sentido, um dos carros-chefes é o futebol, considerado o esporte mais praticado no mundo.
No Brasil, o esporte é popular e midiático, e chega a movimentar cerca de R$ 53 bilhões na economia em um único ano, segundo a consultora Ernst & Young. Convertendo para dólares nas cotações atuais, são cerca de USD 10 milhões. Porém, apesar da popularidade do esporte para os mais de 200 milhões de brasileiros, o país ainda conta com uma fatia pequena no mundo das apostas: foram cerca de R$ 4 milhões, oficialmente, em 2019.
Convertendo novamente para dólares, são cerca de USD 850 milhões, valores baixos perante os USD 104 milhões registrados no globo. A partir disso, surge uma pergunta: por que, apesar da popularidade dos esportes no Brasil, o mercado de apostas ainda não se consolidou? São três os motivos que podem responder a questão.
Motivo 1: a legislação
O Brasil não possui uma regulamentação sobre a prática das apostas esportivas. Entenda o contexto histórico e atual da questão no país.
Histórico
O mercado dos ‘jogos de azar’ se tornou ilegal no Brasil já em 1946, com a assinatura do Decreto-Lei nº 9.215, que proibiu a prática em todo o território nacional. De acordo com o texto da regulamentação, a decisão foi tomada porque exceções que permitiam os jogos “decorreram abusos nocivos à moral e aos bons costumes”.
O que são jogos de azar?
Segundo a legislação brasileira, define-se como jogo de azar “o jogo dependente de sorte; e apostas em qualquer outra competição”. O termo está contido no Decreto-Lei nº 3.688, de 1941, que visava proibir as apostas em corridas de cavalo em hipódromos pelo país.
Mudanças na denominação
Nos últimos tempos, a legislação brasileira tem afastado as apostas esportivas da categoria ‘jogos de azar’. Em dezembro de 2018, já no fim de seu mandato, o então presidente da República, Michel Temer, promulgou a Lei nº 13.756, que estabeleceu a definição de ‘apostas de quota fixa’:
“A modalidade lotérica (apostas de quota fixa) consiste em sistema de apostas relativas a eventos reais de temática esportiva, em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico”, diz o trecho da lei.
Em outras palavras, para funcionar, o serviço de apostas tem que informar, no momento da ativação, o montante possível de ganho ou de perda, tanto por meios físicos quanto on-line. Além disso, define taxas para a arrecadação nacional.
Outro fator importante é que a lei assinada por Temer permitiu a inclusão de casas de apostas nos patrocínios. Assim, principalmente no futebol, as marcas puderam exibir suas logos nas camisas dos times, por exemplo.
Lei para a regulamentação
Apesar de ter flexibilizado a veiculação publicitária, ainda não se regulamentou a prática das casas de apostas esportivas no Brasil. A própria Lei nº 13.756/2018 ainda precisa passar pelo Congresso Nacional para a aprovação completa e a colocação das normas para o exercício do serviço no Brasil. A discussão estava marcada para entrar em pauta em 2019, foi atrasada para 2020 e, com a pandemia de coronavírus, foi postergada novamente.
De acordo com a Agência Brasil, ainda há uma série de preocupações com a flexibilização total da prática. O principal problema seria os riscos dos crimes de manipulação dos jogos, principalmente no futebol, responsável por 75% das apostas, de acordo com pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Motivo 2: o brasileiro não tem o hábito de apostar
De acordo com o report da Zion Market Research, um dos principais mercados para as apostas esportivas é o futebol do Reino Unido. É da terra da rainha que vêm casos como o de 2016, quando 23 pessoas ficaram milionárias por apostas prévias no título improvável do Leceister City na Premier League 2015/16.
No Brasil, a prática se tornou ilegal já na década de 1940, quando categorizada como ‘jogo de azar’. Os clubes de futebol, por exemplo, se tornaram profissionalizados em 1933. Logo, durante o crescimento do esporte no cenário nacional, as casas de apostas já eram proibidas, o que não criou um hábito de apostar no brasileiro.
‘Odds’, ‘handicap’ e outros termos do universo das apostas esportivas ainda são bastante desconhecidos pelos brasileiros no geral, até mesmo pelos fãs das modalidades. Entretanto, já existem sites em português que explicam o funcionamento das casas internacionais e fornecem dicas para apostar nos mais diversos esportes.
Motivo 3: ausência de investimentos
Pela prática não ser regulamentada, o torcedor não se acostumou apenas a não jogar, mas até mesmo a ver as marcas. A abertura de 2018 propiciou que, só a partir daí, os clubes – principalmente no futebol – pudessem exibir patrocínios de casas de apostas esportivas. De acordo com o Ibope Repucom, em 2019, 13 dos 20 times da Série A do Brasileirão tinham algum contrato com empresas do setor.
Porém, essas marcas ainda ocupam espaços secundários dos uniformes, como mangas ou calções. Na Premier League, por exemplo, há empresas que estampam o patrocínio master de grandes clubes, o que aumenta o reconhecimento e a popularidade da marca junto aos torcedores. Os campeonatos também são patrocinados por gigantes do setor, o que ainda está engatinhando no Brasil.
Logo, para entrar de vez na vida do torcedor, as marcas terão que estabelecer grandes parcerias com equipes tradicionais do Brasil. Já há tentativas nesse sentido, a ‘Galera.bet’, por exemplo, fechou um contrato de R$ 40 milhões + bônus por 5 anos de ativação na camisa do Corinthians. Além disso, prometeu a criação de uma ferramenta exclusiva para os aficionados pelo clube paulista.
O futuro do mercado de apostas no Brasil
A maturação do mercado de apostas em terras nacionais passa, primeiramente, pela regulamentação no Congresso Nacional. Só a partir disso, é possível estabelecer que as marcas entrarão de vez com investimentos no cenário brasileiro. Até lá, é possível que o crescimento ocorra, mas ainda de forma tímida.
O interesse das marcas estrangeiras fica ainda mais evidente quando os clubes brasileiros fecham um contrato com uma casa de apostas internacional para as transmissões dos jogos do Brasileirão para fora do país. As equipes da Série A receberão um montante de R$ 157 milhões pelos direitos das próximas quatro temporadas.
De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), extraoficialmente – contando sites internacionais sem ficalização -, as apostas podem atingir a média de R$ 7 milhões por ano no Brasil. Segundo o Ibope Repucom, as casas de apostas esportivas já estão entre os patrocinadores mais presentes nos esportes do país.
O crescimento também passa por outras modalidades, principalmente dos e-sports. Ligas de League of Legends, CS:GO e Free Fire vêm crescendo no Brasil, e têm as empresas de sites de apostas como grandes apoiadoras. O fortalecimento desse setor pode aumentar as chances de expansão e consolidação para as casas de apostas no país.