Apesar do cenário de crise sistêmica (econômica, institucional, ética e política) vigente no Brasil, os movimentos sociais e organizações populares da sociedade civil não têm tido uma atuação politicamente expressiva. O que ocorre, afinal, com os movimentos sociais no Brasil de hoje? Por que a apatia anda prevalecendo sobre a cidadania?
Algumas das razões ou dos motivos frequentemente levantados e apontados como fatores ou causas dessa apatia dos movimentos sociais são os seguintes:
- O esgotamento do viciado modelo político, a frustração e a incredulidade com relação ao tradicional jogo eleitoral, administrativo e partidário, que causa ojeriza à sociedade; a ausência de referências positivas de representação política e de um consenso mínimo quanto a um projeto de desenvolvimento do país. São alguns dos fatores que afastam as pessoas da “política”. Não que a política não importe ou não interesse a elas, mas é que o sistema e o jogo político tornaram-se algo de tão baixo nível, uma jogatina tão rasteira e viciada que virou coisa repugnante, sempre sinônimo de esquemas, mamatas e de corrupção. Ao invés de atrair os cidadãos à participação, o modelo político acaba por afastar os bem intencionados. Cristalizou-se uma percepção de que essa a forma de fazer política é coisa lamacenta sem jeito. Algo complexo, com ramificações perigosas, que seria melhor evitar.
- Sensação de impotência. Alega-se que não haveria como lutar nesse momento contra o atual estado de coisas no sistema político do país: seria apenas perder tempo e esforço. Mais proveitoso seria lutar por causas específicas: contra violência doméstica, nas escolas, contra a pedofilia, contra a homofobia, contra o preconceito, a favor de serviços públicos de qualidade… do que empenhar-se por um amplo projeto de sociedade e de Estado. Não adianta perder tempo nem recurso com a velha e viciada política, a qual existe apenas por causa do ordenamento jurídico imposto por caciques e de suas ultrapassadas instituições de mediação política, seja de direita ou de esquerda.
- Outra corrente justifica que grande parte dos quadros dos movimentos sociais estão historicamente ligados ou mantém vínculos, direta ou indiretamente, com o atual governo federal e com as administrações de certas capitais e estados pelo país. Houve uma decepção geral com as políticas e as posturas da “esquerda” no poder. Disso decorreu uma apatia e a desarticulação ideológica, sobretudo com o esvaziamento provocado pela crise das utopias e pela desilusão com os quadros oriundos da esquerda que chegaram ao poder.
- Uma vertente diversa centra-se na análise da cidadania. Embora tenha sido mais ligada aos aspectos político, institucional e social, a cidadania atualmente tem estado mais sintonizada ao aspecto econômico, sobretudo à ideia de cidadão consumidor ou consumista do que qualquer outro valor ou ideia. Não estar incluído às práticas, às tradições e aos rituais da sociedade do consumismo é considerado muito pior ou mais frustrante do que não estar socialmente organizado ou não participar politicamente. O poder de consumir passou a ser o maior ícone da cidadania da sociedade de mercado, potencializando o clássico individualismo liberal, recorrendo muito frequentemente ao “jeitinho brasileiro” e envolvendo-se até mesmo com a economia do crime. Aliás, essa economia faz muitas promessas de consumismo e outros delírios (bens, poder, prazeres) a crianças, adolescentes e jovens, mas na prática apenas difunde a epidemia da violência, do tráfico de drogas e da criminalidade.
- Questiona-se também o quanto a política de concessão de benefícios sociais, tendo como exemplo programas como o bolsa família, estaria colaborando para fomentar essa inércia dos movimentos sociais, apatia da juventude e da própria sociedade brasileira.
- A superficial educação cívica e sociopolítica oportunizada nas escolas, na família e na convivência em comunidade seria importante fator para compreender a apatia da juventude, a desarticulação da sociedade civil e a inércia dos movimentos sociais.
Com isso, o combustível que renova os movimentos sociais, ou seja, a juventude, sobretudo os adolescentes e jovens adultos, anda um tanto entorpecido com a lógica do consumismo e do individualismo sem perceber claramente seus efeitos nocivos à cidadania e a toda a sociedade.
O crescimento da epidemia de violência e de criminalidade decorre, em grande parte, dessa subestimação pela juventude da cidadania como direito de participação política e social. Uma espécie de alienação cívica, que esvazia a juventude do próprio sentido ético e sociopolítico da existência, contribuindo assim para a inércia das diversas formas de movimentos sociais organizados e para frustrar a renovação de lideranças e da vida política do país. Trata-se da subordinação do conteúdo político e ético da cidadania à lógica e aos meros valores de mercado ou dos negócios privados, que dão ênfase predominantemente à ideia do cidadão consumista e à plutocracia.
Enfim, a alienação cívica da juventude e a apatia dos movimentos sociais para discutir os horizontes políticos do país condena toda a sociedade à parasitária e infindável reprodução do velho e viciado jogo político e eleitoreiro em vigor no país. Sujeita a sociedade a profundas crises ética, política e econômica. Arruina as perspectivas de desenvolvimento socioeconômico da nação. E afunda o país no abismo da estagnação, da precariedade e do subdesenvolvimento ético, político e socioeconômico.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.