A decisão do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) de suspender o reajuste da tarifa de água e esgoto está fundamentada no fato de que este aumento expressa uma “total discrepância com a realidade vivenciada atualmente, principalmente pelo aumento da taxa de desemprego e a queda da renda familiar e do faturamento de empresas”. A elevação provocaria impacto significativo na vida da população, que teria um acréscimo de 24,5% na fatura mensal.
A concessionária Águas de Manaus pressiona por um reajuste exorbitante, demonstrando que não está sintonizada com a realidade vivida na cidade, em uma época de tragédia sanitária, econômica e social. A catástrofe provocada pelo novo coronavirus foi visualizada de forma dramática em Manaus, onde presenciamos amontoados de cadáveres em sacos plásticos, que foram enterrados em valas comuns, de forma constrangedora.
O pesadelo também foi notado no desespero de famílias cujos parentes não encontravam nos hospitais oxigênio para a realização do tratamento da Covid-19. Como em todo o Brasil, a pandemia evidenciou a desigualdade social e ampliou a pobreza na cidade de Manaus. Percebe-se um forte aumento do desemprego e da indigência, levando famílias inteiras a buscar o alimento através da mendicância. A fome visita milhares de lares manauaras.
Impondo um reajuste tão elevado à população manauense, a empresa Águas de Manaus mostra que seus princípios não visam ao bem-estar da sociedade, mas aos interesses dos seus investidores que buscam ampliar a renda às custas da espoliação dos moradores. Mesmo cobrando a tarifa mais elevada da Amazônia e obtendo lucros bilionários nos últimos dois anos (BNC, 16/08/2021), a ganância da concessionária não tem limites.
Distantes das terras manauenses, os olhos e o coração da concessionária recebem seus comandos a partir de fora. No domínio da empresa Águas de Manaus, alheia à realidade da população local, o grupo Aegea Saneamento e Participações é controlado por companhias do mercado financeiro que se instalaram em vários lugares do mundo com o único objetivo de lucrar, independentemente dos prejuízos sociais e ambientais causados.
Desconectadas do cenário real, as decisões da empresa seguem as orientações de agências internacionais, como a Equipav, o Fundo Soberano de Singapura e a Itaúsa, que crescem cada vez mais às custas dos lucros drenados de povos localizados em diferentes territórios do planeta. Somente a Itaúsa, que possui 10,2% das ações da Aegea, obteve o lucro líquido de R$ 3,5 bilhões de reais no segundo trimestre do ano, 487% superior ao mesmo período do ano passado.
A suspensão do reajuste foi corroborada no final do mês de setembro pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que visualiza na iniciativa uma agressão da empresa contra a população que vive em meio a um contexto pandêmico de calamidade pública. Em matéria veiculada pelo Amazonas Atual (30 de setembro de 2021), a empresa demonstra inconformismo diante das decisões judiciais, sugerindo que os serviços de água e esgoto vão piorar ainda mais.
Na medida em que a empresa demonstra indiferença quanto ao sofrimento da população fica claro que a lógica subjacente à privatização do saneamento não agrega os princípios de solidariedade e democracia, mas prioriza a lucratividade acima da vida e reproduz a tirania do dinheiro. Assim, a tragédia pandêmica revela as verdadeiras intenções escondidas atrás da publicidade vista nos meios de comunicações.
A insustentabilidade do contrato de concessão fica cada vez mais evidente para todos. Diversos países de todos os continentes já chegaram a esta conclusão, remunicipalizando os serviços de água e esgoto. Quando vamos colocar os interesses da população em primeiro lugar?
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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