Karl Popper, considerado o filósofo da ciência mais influente do século XX, advertia que muitas pessoas bem-intencionadas, ao assumirem uma posição de responsabilidade na vida pública, precisam estar conscientes de que suas decisões relativas às políticas econômicas e sociais podem trazer mais perdas e danos para a população do que inicialmente era esperado. Dizia que a tentativa de trazer o céu para a terra invariavelmente produz o inferno e que não devemos aceitar, sem qualificação, o princípio de tolerar os intolerantes, senão corremos o risco de destruirmos a nós mesmos bem como à própria atitude de tolerância.
A economia brasileira tornou-se um cipoal com muitas entradas e poucas saídas, pleno de problemas complexos e interdependentes. Desde 2014, têm sido tomadas decisões de políticas públicas que tornaram a solução desses problemas ainda mais difícil e penosa para a sociedade brasileira. Uma das características principais dessas políticas tem sido a de um escapismo intelectual na sua concepção e implementação. Diante de uma lista crescente dos problemas socioeconômicos e socioambientais que nos atormentam, os formuladores das políticas têm manifesta preferência por concentrar os seus objetivos na busca do equilíbrio fiscal ampliado, como condicionante decisiva para se equacionarem todas as demais graves questões que se exprimem pelo baixo crescimento econômico, pela concentração de renda e de riqueza do País e pelo uso não sustentável dos ecossistemas
A experiência histórica mostra que as decisões tomadas nos 100 primeiros dias de uma nova administração pública quase sempre são de extrema relevância para o sucesso ou fracasso futuro dessa administração, por diferentes motivos. São decisões que se ramificam e se empoçam em todos os centros de decisão das máquinas administrativas dos três níveis de governo, impactando os interesses, as expectativas e as aspirações de grupos sociais, regiões e setores produtivos. Decisões muitas vezes que geram trajetórias irreversíveis dentro de um único mandato ou reversibilidades que trazem novos problemas para a sociedade. Frequentemente, pode-se dar um passo à frente e dois para trás.
Se as condicionalidades político-institucionais, que permeiam o processo decisório no primeiro momento de uma nova administração, não forem devidamente avaliadas e incorporadas em suas estruturas mentais e em suas crenças, acabam levando os dirigentes a um voluntarismo inconsequente, a um sequenciamento de movimentos casuísticos e erráticos, à perda da cadência e da intensidade das ações programáticas, tornando-os reféns de interesses velados de grupos autocentrados em seus privilégios, capazes politicamente de privatizar benefícios ao mesmo tempo que socializam os seus prejuízos.
De fato, não se pode iniciar um novo mandato com ideias vagas e diretrizes genéricas, baseadas em ideologias históricas ultrapassadas (Millôr Fernandes dizia que quando as ideologias se aposentam, elas vêm morar no Brasil) ou estratégias mal concebidas, difusas e incompatíveis com a realidade político-institucional do País. Menos ainda com a tentativa de usar instrumentos econômicos e mecanismos institucionais que se mostraram ineficazes no passado recente.
Frequentemente, decisões econômicas tomadas no passado são determinantes de decisões a serem tomadas no futuro pelo seu rígido enraizamento nas estruturas administrativas e pelas expectativas que geram entre os que produzem, consomem ou acumulam capital. O sucesso de uma política pública depende relativamente menos de critérios de eficiência e mais de critérios de confiabilidade. E a confiança se assemelha à esperança que, quando acaba, pode não mais voltar ou voltar sob forma desidiosa.
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