Esta afirmação é um dos resultados da Tese Doutoral intitulada ‘Saúde Ambiental e Migração: uma análise da migração venezuelana sobre os serviços de saúde pública na cidade Boa Vista-RR’ de autoria da recém-doutora Tárcia Millene de Almeida Costa Barreto.
A Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais da Universidade Federal de Roraima foi orientada pelas professoras doutoras Francilene dos Santos Rodrigues e Geórgia Patrícia da Silva Ferko.
Professora do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Roraima, há muitos anos atuando na área da enfermagem, com inúmeras pesquisas publicadas no campo da atenção básica à saúde, a pesquisadora dedicou quatro anos à investigação do tema da migração e saúde.
Dentre as conclusões a que chegou, a pesquisadora destaca “que quanto aos incrementos financeiros decorrentes do atendimento aos migrantes venezuelanos nos serviços de saúde pública de Boa Vista, esses representaram apenas 3,60% das despesas computadas na série histórica analisada (2016-2020). Evidenciando-se que a migração venezuelana não produziu impactos negativos no sistema de saúde local, que apenas evidenciou problemas existentes”.
Orientada pelo método dialético, munida de farta documentação teórica, de relatórios institucionais e de extensa pesquisa de campo, a pesquisadora conclui que “a migração venezuelana para Boa Vista foi motivada, majoritariamente, pela necessidade de manutenção da sobrevivência dos indivíduos, os quais relataram em suas narrativas que não tinham acesso a bens de consumo essenciais, especialmente os alimentos”. Desta forma, aprofunda o tema da migração por sobrevivência como uma das principais características da dinâmica migratória transfronteiriça. A “migração por sobrevivência”, categoria de análise relativamente nova nos estudos migratórios, considera os elementos de sobrevivência como impulsores dos deslocamentos forçados de milhares de venezuelanos que se espalharam por toda América Latina em busca de melhores condições de vida.
De acordo com as conclusões da tese, “os migrantes são empurrados para fora de seu país de origem por forças que se sobrepõem aos seus desejos”. Desta forma, se lhes está garantido o direito de migrar, mas, nada nem ninguém lhes assegura o direito de não migrar.
Empurrados para fora de seu país, os migrantes revelam profundas “mudanças econômicas estruturais no país de origem. De acordo com inúmeras entrevistas, os migrantes revelam que passaram por “enormes dificuldade de acesso a bens de sobrevivência por causa das constantes altas da inflação na Venezuela”.
A pesquisadora informa que, “a partir das análises dos dados foi possível identificar, também, a constituição do que seria um novo processo de teorização da migração, no qual as necessidades de sobrevivência se sobrepõem aos anseios de outra natureza, sejam eles profissionais e/ou pessoais, uma vez que a migração tem raízes em problemas políticos, econômicos e sociais”.
A doutora conclui também que o tema abordado na tese “contribui fortemente para entender que composição da situação da saúde de um indivíduo perpassa por uma gama de causas, que vão desde o perfil genético às interações com o ambiente em que vive. O que leva à necessidade de análise do perfil de adoecimento desse migrante ao se inserir em um novo territorio”.
De acordó com a pesquisadora “considera-se que os estudos que envolvem avaliação econômica estão ocupando cada vez mais espaço na rotina dos sistemas e serviços de saúde, posto que, o conhecimento de evidências sobre custos e resultados em saúde équestão-chave para possibilitar melhores decisões quanto aos investimentos a serem feitos”. Desta forma, longe de ser um problema para a saúde pública, a insidência dos migrantes no atendimento de saúde básica, principalmente, favorece um quandro de análises mais abrangente e contribui para aumentar os recursos voltados para a saúde básica uma vez que o orçamento se faz sobre a demanda.
A pesquisadora alerta em sua tese a importância da saúde preventiva uma vez que muitas doenças de grande recorrência entre os migrantes e a população local, poderia ser evitada com programas de atenção básica à saúde. A este respeito, ela “observa que as doenças com frações atribuíveis ao ambiente que mais oneraram o sistema público de saúde de Boa Vista, no período de 2008 a 2018,foram as síndromes respiratórias agudas (R$ 28.359.511,58), doenças diarreicas (R$3.484.947,53) e a malária (R$ 861.204,17). Em relação aos custos médios da série histórica constata-se que seguiram o mesmo padrão de posições, exceto para a terceira colocada, que foram as internações por HIV. Frisa-se que esse padrão de morbidade costuma gerar altos custos para a atenção hospitalar e são doenças que poderiam ser evitadas com ações de promoção e prevenção de saúde realizadas na atenção primária.
Desta forma, a tese contribui para identificar a importância da atuação de instituições nacionais e internacionais, de modo especial aquelas vinculadas à Organização das Nações Unidas e à sociedade civil, que vêm intervindo com projetos e programas de promoção à saúde, especialmente neste período de pandemia. Esta atuação das instituições com agentes vinculados à saúde (médicos, enfermeiros, agentes de saúde pública, odontólogos, dentre outros profissionais), somado ao conjunto de agentes de saúde do Sistema Único de Saúde que atuam em Boa Vista tem se consolidado numa rede de proteção à saúde da população em geral.
Por fim, a tese da recém-doutora contribui para se desconstrói discursos xenófobos, muitas vezes institucionais, que criminalizam os migrantes e os acusam de onerar o sistema de saúde. Com todo respaldo científico, que pode ser analisado criteriosamente no documento geral da tese publicada no banco de teses e dissertações da Biblioteca Central da UFRR (http://www.bc.ufrr.br/index.php/tesesedissertacoes), a tese confirma que, de fato, “a migração venezuelana não produziu impactos negativos no sistema de saúde”. Longe disso, os movimentos migratórios contribuem para ampliar o sistema de saúde, torna-lo mais aberto às demandas e mais atuante para toda as sociedade.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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