A covid-19 já infectou mais de 100 milhões de pessoas no mundo e provocou quase 2,5 milhões de mortes. Neste contexto, é preciso considerar também as sequelas e traumas psicológicos vividos por aqueles que passaram direto ou indiretamente pala doença. Esta pandemia que afeta a humanidade em todos os cantos do planeta vem desencadeando reações de diversos matizes, colocando a pergunta sobre a nossa compreensão a respeito desta tragédia. Qual o significado de tamanha destruição?
Diante de tal fenômeno global, muitos tendem a se perguntar sobre a sua causa primeira, questionando a respeito da ação do homem sobre a natureza. Trata-se de vislumbrar que a pandemia da Covid-19 é um indicar incontestável de que não estamos tratando o planeta Terra de forma adequada, mas ultrapassamos os limites da exploração e da degradação ambiental, desencadeando complicações para a própria humanidade. Os elos de ligação entre os diversos fatores da vida estão sendo destruídos pela ação humana, através de intervenções transloucadas que nos levam a uma fúnebre marcha suicida.
Para os grupos que assim concebem, as nossas sociedades estão baseadas em valores equivocados, que não promovem a sustentabilidade e a convivência entre as pessoas. O aumento das desigualdades e da pobreza é visível; a polarização política e social estar à flor da pele; a intolerância racial e religiosa provoca mortes bárbaras. Muros são erigidos para separar os seres humanos. O poder de grandes conglomerados empresariais e instituições financeiras ultrapassam as competências de muitos Estados nacionais e sobre eles exercem influências inelutáveis.
Segundo esta concepção, a pandemia constitui uma advertência, sinalizando a necessidade de mudança de rota. É preciso mudar o nosso estilo de vida consumista, depredador e antropocêntrico, dando tempo e espaço para que a vida siga o seu caminho evolutivo e o planeta se recomponha diante de tanta violência contra ele. É urgente mudar a nossa relação para com a Mãe Terra, adotando uma relação de amizade, respeito e cuidado. Esta atitude precisa ser alimentada também entre os humanos, dando ensejo para a fraternidade, a justiça, o respeito à diferença e a valorização das coisas comuns.
Outros grupos negam a gravidade da situação em que vivemos, apesar das evidências, afirmando que a pandemia representa uma crise passageira. Para estes, logo poderemos voltar à vida que tínhamos antes deste imprevisto transtorno sanitário e seguir alimentando os ânimos do mercado, do crescimento econômico, da produção e do lucro crescente. Para isso, deveremos persistir na devastação ambiental, na exploração dos outros seres humanos e na precificação de todas as coisas. A propriedade privada deve continuar sendo o grande baluarte da humanidade, sendo defendida a todo custo.
Segundo este pensamento, o individualismo e a competitividade entre as pessoas e empresas devem receber estímulos do Estado, como forma de manter e aprimorar a sociedade de mercado. É necessário munir os indivíduos e as empresas de aparatos jurídicos e institucionais para que eles possam defender os seus interesses. Armas de grosso calibre devem ser garantidas aos cidadãos, afim de que eles assegurem as suas posses diante das ameaças daqueles que nada tem. O privado deve se sobrepor ao público, viabilizando a privatização dos bens públicos mais valiosos. O mercado não deve ter limites, mas livre de todas as amarras, ele poderá decidir sobre a vida ou a morte.
É lógico que estes últimos grupos pertencem às classes mais abastadas da sociedade e suas posturas visam defender as posições privilegiadas que ocupam na hierarquia social. Sabem que estão à frente e querem assegurar que continuarão vencendo a corrida. Mas até quando o planeta suportará tais posturas? A pandemia é capaz de expor o melhor do ser humano, mas também pode dá vazão ao que ele tem de pior.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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