
EDITORIAL
MANAUS – A CPI das ONGs do Senado, criada e comandada pelo senador amazonense Plínio Valério (PSDB) é dos maiores exemplos de desserviço que o Parlamento brasileiro já produziu. Ao fim, será revelada a inutilidade de uma comissão que tem como presidente um inimigo dos movimentos sociais e populares e como relator um pecuarista que se tornou político, também inimigo dos movimentos sociais na Amazônia, o senador Marcio Bittar (União Brasil-AC).
Plínio Valério e Marcio Bittar começaram os trabalhos convocando todos aqueles que pensam como eles, ou seja, que são contra qualquer movimento de preservação da Amazônia e favoráveis à abertura das porteiras para a exploração mineral e natural na região.
Entre os convocados, estão ex-ministros do governo Bolsonaro, como Ricardo Salles (Meio Ambiente) e o general Augusto Heleno (Segurança Institucional). Durante todo o governo passado, ambos trabalharam para desconstruir a política ambiental na Amazônia, construída a duras penas pelos governos passados.
Outros convidados dos comandantes da CPI são “líderes” de grupos indígenas e “mestiços” (nos dois casos as aspas são para sinalizar a desconfiança) dispostos vitaminar os discursos dos senadores.
No dia 22 do mês passado, Plínio Valério tomou o depoimento da presidente do Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro, Helderli Fideliz Castro de Sá Leão Alves. Tal movimento tem baixíssima representatividade, com atuação concentrada em Manaus. Helda Castro, como é conhecida, foi convidada pela CPI porque o senador soube que ela levanta suspeitas sobre os números do Censo Demográfico de 2022 realizado pelo IBGE.
De acordo com a “tese” apresentada na comissão por Helda, os pesquisadores do IBGE induziram pessoas pardas a se autodeclararem indígenas, motivo pelo qual houve o aumento significativo da população indígena no Brasil entre o Censo de 2010 e a última contagem. Segundo ela, o IBGE esteve “transformando mestiços em indígenas”. Provas sobre o que afirmou aos senadores, Helda não apresentou. A fala é tão absurda, que o IBGE se recusou a comentar. Mas os membros da CPI acreditaram nela.
No dia 31 de agosto, Plínio Valério foi a São Gabriel da Cachoeira ouvir indígenas que escreveram para a CPI pedindo para serem ouvidos. O senador foi à comunidade Pari-Cachoeira, na Terra Indígena Alto Rio Negro, ouvir o que os indígenas sobre a atuação das ONGs.
Depois do evento, Valério disse que saía da reunião “realizado por tudo aquilo que ele nós dizíamos é verdadeiro”. Segundo o senador, os indígenas disseram que estão cansados de serem manipulados e espoliados pela ONG Instituto Socioambiental. Essa ONG, disse Valério, recebeu R$ 28 milhões do governo federal para desenvolver projetos na região, mas os indígenas não sabiam como o dinheiro foi gasto. Aí está o grande achado da CPI, segundo o senador.
Ainda segundo o presidente da CPI das ONGs, “a região visitada em São Gabriel da Cachoeira é rica em recursos como nióbio, ouro e diamantes, mas a pobreza e a falta de oportunidades prevalecem para os povos indígenas que habitam a área.”
Aí está o verdadeiro interesse da CPI. A exploração mineral é a menina dos olhos dos defensores do “desenvolvimento da Amazônia”, como Plínio Valério. Pelos indígenas? Não, por grandes empresas, com a promessa de levar riqueza às comunidades indígenas. Esse discurso é bem conhecido na região. Na prática, a exploração mineral deixa um rastro de destruição e muito mais miséria.
Na fala de Plínio Valério à TV Senado, chama a atenção um detalhe. Ele diz textualmente: “Você pega o depoimento na comissão, pega o depoimento aqui, mais de mil quilômetros… Como você disse: tem indígenas que chegaram com mais de 10 dias [de viagem], tem até com 14 dias [de viagem] que vieram pra nos ver. Você imagina. Nunca tinham visto um senador de perto e viram três, agora.”
Como é, senador? Os indígenas nunca tinham visto um senador? Então os senadores do Amazonas nunca visitaram as comunidades indígenas que são exploradas e espoliadas por ONGs do mal? Como pode?
Certamente o senador está certo. Os indígenas nunca viram um senador, porque não faz parte da rotina dos políticos visitar comunidades carentes. O fazem em período eleitoral, mas quando a comunidade é de fácil acesso e concentram grande número de votos. Depois da eleição, desaparecem e só voltam no próximo pleito eleitoral.
As ONGs, ao contrário, atuam muitas vezes onde o poder público nunca chegou.
Por fim, nesta semana, a CPI ouviu um professor que apresentou um discurso troncho sobre a Amazônia. Disse que a floresta não é responsável pela umidade e chuvas em regiões fora do bioma amazônico e que a desertificação da Amazônia seria impossível com o desmatamento no ritmo atual. Levaria 600 anos para a floresta ser totalmente destruída, segundo o professor Luiz Carlos Molion, da Universidade Federal de Alagoas.
Molion é um negacionista climático, apesar dos estudos sobre o tema e de ter contribuído para o desenvolvimento da climatologia brasileira nos anos de 1970 e 1980. Nos anos 1990, mudou de postura e passou negar e distorcer fenômenos amplamente conhecidos e estudados por físicos e meteorologistas.
Para a CPI de Plínio, Molion é o personagem perfeito. Ele foi convidado a pedido de Marcio Bittar, mas foi Plínio quem se empolgou com o professor negacionista.
“Se isso aqui fosse um palco, eu diria que o senhor deu um show. Mas isso aqui é uma CPI do Senado Federal, então o senhor acaba de dar uma aula. Uma aula a todos nós e aos brasileiros que assistem, principalmente se contrapondo a esta hipocrisia global que existe em relação ao clima.”, disse Plínio Valério.
Como se vê, nada se pode esperar de uma CPI.