Há diversas tentativas de explicar o problema da fome no Brasil, entre elas a mais inadequada e perversa é aquela que atribui ao faminto a responsabilidade pela própria fome. Essa explicação radica em mentalidades que se pautam pelo princípio da meritocracia, afirmando que os famintos passam fome por não terem feito propositalmente o necessário para conseguir o seu alimento.
Esse princípio, por mais nefasto que seja, ainda tem grande aceitação na nossa sociedade, sendo também utilizado para justificar a situação de pobreza ou falta de sucesso na vida. Parte-se do pressuposto de que as oportunidades são iguais para todas as pessoas, ignorando as condições sociais, raciais, culturais e de gênero que afetam a trajetória dos indivíduos.
O Brasil é considerado mundialmente um território de riquíssima biodiversidade, que possui importância fundamental nas discussões globais sobre o meio ambiente. Possuímos, reconhecidamente, terras férteis e abundantes para alimentar toda a nossa população, satisfazendo as necessidades alimentares de todos os brasileiros e brasileiras.
Ostentamos gigantescos reservatórios hídricos e esplêndidos biomas de diferentes tipos: Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga e Pampas. Se bem administrado, o Brasil teria as condições necessárias de ser uma “terra sem males”, resgatando a cosmovisão guarani. No entanto, a presença da fome no território nacional tem assombrado, principalmente nos últimos anos, ameaçando 36% das famílias brasileiras.
Pesquisa publicada no mês de maio por pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) revelou que o risco de fome aumentou ao redor do mundo diante dos impactos econômicos da pandemia da Covid-19, mas a situação se tornou particularmente grave no Brasil.
Segundo a pesquisa, a parcela de brasileiros que não teve dinheiro para alimentar a si ou a sua família subiu de 30% em 2019 para 36% em 2021, patamar recorde na série histórica iniciada em 2006. É também a primeira vez que o nível de insegurança alimentar no Brasil supera a média mundial. Esses dados são resultados de uma evolução ascendente iniciada em 2014, quando o país conseguiu sair do mapa da fome.
Com forte piora no período da pandemia, o Brasil possui atualmente 116 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar e 19 milhões passando fome, atingindo especialmente as mulheres e as pessoas com baixo nível educacional.
Mesmo sendo admirado por todos e todas, o meio ambiente também sofre ataques contínuos, com destaque especial nos últimos anos. Em 2021, para falar somente das florestas tropicais brasileiras, 15,5 mil km² foram devastados, o equivalente a 40% da perda registrada em todo o mundo. Estudos indicam que esse desempenho é resultado da precarização da fiscalização, das ações de comando e controle do campo e da redução do orçamento dos órgãos ambientais.
O Observatório do Clima mostra que as multas caíram 51% nos estados amazônicos em comparação com 2018, ano que antecedeu o governo Bolsonaro. Em 2021, apenas 41% dos recursos destinados para a fiscalização ambiental foram usados.
Assim como a insegurança alimentar, a devastação do meio ambiente caminha a passos largos, indicando que as políticas adotadas seguem a mesma lógica: a lógica da destruição. Embora as eleições sejam importantes como reação imediata, para resolver esses problemas é preciso mudar o atual modelo de produção econômica, implantando outro que reconheça a importância das dimensões sociais e ambientais.
É necessário desprender a política econômica da mera disciplina monetária. Não adianta falar de livre mercado, equilíbrio fiscal, se o terreno socioambiental está sendo todo corroído.
Além disso, ao invés de priorizar o mercado a todo custo é necessário implementar políticas públicas de proteção das pessoas e preservação da natureza. É possível vislumbrar onde vamos parar se continuarmos entregando o comando do país às multinacionais e financistas que têm a única preocupação de multiplicar os seus rendimentos. Fazer a boa política é decidir tendo em vista o conjunto da sociedade e a diversas expressões da vida, dando atenção especial para os grupos sociais mais vulneráveis.
A proteção da vida humana e o cuidado da natureza implicam uma atuação forte e responsável do Estado, mas para isso é necessário mudar os gestores públicos, elegendo representantes minimamente comprometidos com essas propostas.
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