Uma plataforma de internet faz a venda de um fone de ouvido da marca Bose ou Sony, que custam, cada um deles, cerca US$ 360 na América do Norte e são projetados nos EUA e Japão, sendo produzidos na Ásia; compramos em um site de uma multinacional com filial no país, com matriz tributária em um Paraíso Fiscal, por cerca de US$ 370, pagando R$ 1.816 – que é algo bem próximo do câmbio comercial da transação; ele chega ao Brasil com um recibo de R$ 40, com o frete incluso. Isso tudo gera R$ 0 de imposto; o remetente para o fisco é uma “pessoa física”.
O caso relatado é repercutido pela grande mídia como se fosse um absurdo tributar. Já fiz destas compras algumas vezes e fiquei me perguntando como aquilo não tinha impostos. E o site ainda anuncia: tudo incluso – produto, frete e impostos. Quais impostos?
Se isso aí não é inadequado, o que seria? Agora, façamos uma transposição para a discussão em curso da Reforma Tributária: as discussões que a pautam e a pautarão estão muito mais nos campos dos interesses particulares do que no campo dos interesses arrecadatórios ou até mesmo para onde vai a arrecadação e, muito menos, sobre o papel das políticas públicas.
O Agronegócio nacional exportou aproximadamente US$ 148 bilhões em 2022 e não pagou impostos. Mas o “agro é pop”. A Zona Franca de Manaus, apesar do “franca” no nome, arrecadou no ano passado mais de R$ 27 bilhões em tributos e contribuições, protegendo a Floresta Amazônica. Mas, o que se lê e ouve o tempo inteiro é que isso é “um absurdo”. Ora, como assim? Para que servem políticas públicas?
Pelo falado até aqui: importar eletroeletrônico com declaração falsa e não pagar imposto pode; exportar para o mundo sem pagar impostos pode também. Agora, produzir no país, pagando imposto, gerando empregos, protegendo a Amazônia é diferente: isso precisa parar. É isso que está estampado em toda a grande mídia.
O raciocínio construído na grande imprensa carece de lógica e de honestidade intelectual. O confronto de ideias não é atualmente um embate de lógicas, correntes ideológicas ou de raciocínios matemáticos com propósitos claros. O que há é uma gritaria sem razoabilidade. Precisamos de políticos que estejam dispostos a entrar neste embate. Precisamos de técnicos que apresentem as falácias de raciocínio – por serem falácias e não por serem “da oposição”.
A racionalidade certamente não está ausente dos debates. O problema é que precisará que tenhamos a coragem de demonstrar quando a clareza desaparece, por mais que sejamos tentados a manter um “jeitinho” para comprar eletrônicos ou roupas do exterior sem pagar impostos. Precisaremos começar a decidir se estamos a favor do país ou a favor de interesses mesquinhos. Esta parece ser uma questão que precisará entrar no campo dos debates.
A questão não é se deve ser tarifada a importação. A forma como está posto é onde está o problema. A isenção ou redução tributária é sempre para um propósito. No Brasil estamos discutindo tributos sem deliberar sobre seus propósitos. Estamos deliberando sobre ganhos e perdas sem deliberar sobre quem ganha e quem perde.
A resultante atual tem sido sobre como tirar do país para entregar a um estrangeiro e como tirar dos pobres para entregar aos ricos. Retiramos tributos do país para entregar o recurso natural ao estrangeiro. Retiramos produção local de eletrônicos, com empregos e tributos, para transferir para o exterior, sem empregos locais e sem tributos. É como se o papel principal das políticas públicas nacionais fosse para proteger ricos e estrangeiros. Alguma coisa está fora da ordem, como diria o poeta. Ou não?
Augusto César Barreto Rocha é doutor em Engenharia de Transportes (COPPE/UFRJ), professor da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), diretor adjunto da FIEAM, onde é responsável pelas Coordenadorias de Infraestrutura, Transporte e Logística.
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