EDITORIAL
MANAUS – Quase 200 países se farão representar na Conferência do Clima COP 26, iniciada nesta segunda-feira (1°) em Glasgow, na Escócia, para discutir o futuro do planeta Terra. E a Amazônia consumirá boa parte dos debates, por ser a região do mundo com a maior concentração de floresta nativa.
Mas o que o mundo sabe sobre a Amazônia? Quase nada. Essa situação torna o debate sobre a região improdutivo desde as primeiras conferências do clima. O mundo fala em preservar a Amazônia, mas são pouquíssimas as soluções apresentadas para salvar a floresta.
O primeiro equívoco sobre a Amazônia é imaginá-la como uma região inóspita e inabitável. A Amazônia Legal, que compreende os Estados do Norte do Brasil, mais Maranhão e Mato Grosso, tem mais de 28 milhões de habitantes.
Essas pessoas vivem em cidades que não têm a estrutura das cidades europeias, mas dispõem quase tudo o que se encontra nelas, de forma precária. Há também boa parte da população vivendo em comunidades rurais às margens dos rios ou das estradas.
A maioria dessas cidades padece de serviços públicos essenciais, como saneamento básico, transporte e moradia de qualidade. Essas cidades e comunidades concentram grande quantidade de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Não são raras famílias atingidas pela fome, sem qualquer perspectiva de melhoria de vida.
Essas pessoas, essas famílias não fazem qualquer ideia do que seja a COP 26, talvez nunca ouviram falar em COP na vida. Para elas, o que importa é conseguir comida para matar a fome. O aquecimento do planeta também não é assunto das rodas de conversas dos habitantes da região que vivem na linha da pobreza ou abaixo dela.
Um pai ou uma mãe de família dos rincões da Amazônia, ao contrário do que pregam os políticos brasileiros e amazônidas demagogos, não derruba uma árvore para matar a fome do filho, porque não há comprador de madeira à porta quando a fome chega. Os madeireiros têm outro tipo de organização e devastam grandes áreas de florestas.
Mas quem conhece a Amazônia sabe que muitas dessas famílias, principalmente as da zona rural e ribeirinha, vivem precariamente. São raras as que dispõem de água potável e de banheiros decentes. Muitas famílias ainda fazem as necessidades fisiológicas em buracos abertos no chão, cobertos com madeira e um furo ao meio, uma coisa chocante para quem tem a mínima noção de higiene.
Nas cidades, famílias vivem em casas mal construídas, que não obedecem a qualquer padrão estabelecido pelos órgãos responsáveis por definir as normas técnicas. Casas de madeira (agora mais raras) ou de alvenaria sem qualquer conforto, sem a ventilação necessária em uma região que faz calor o ano inteiro, faça sol ou faça chuva.
Outra mentira contada sobre o Amazonas é que a Zona Franca de Manaus garante a floresta em pé. A Zona Franca não consegue gerar emprego para 5% da população de Manaus, que tem mais de 2 milhões de habitantes e metade da população do Estado do Amazonas.
Isso não significa que que o Estado pode abrir mao da Zona Franca, como quer a indústria paulista. O fim do modelo econômico significaria megulhar a cidade eo Estado na mais profunda miséria de sua história.
O desmatamento ilegal no Amazonas ocorre, principalmente, na região sul do Estado, que faz fronteira com os Estados do Acre, Rondônia e Mato Grosso, em função do avanço da fronteira agrícola.
Mas há também desmatamento em diversas regiões do Estado por ação de posseiros que desmatam para fazer carvão e limpar a terra. E fazem isso porque a terra sem floresta tem melhor valor de mercado, em função das dificuldades impostas pela legislação brasileira para desmatar.
O Brasil tem uma legislação robusta de proteção ambiental, mas não tem “poder de polícia” para fazer cumprir a lei. Pela dimensão continental da Amazônia, é quase impossível fiscalizar para prevenir o desmatamento. Isso seria possível com os tecnologias que já estão disponíveis há pelo menos duas décadas.
A Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), que depois virou Sipam (Sistema de Proteção da Amazônia) até hoje não mostrou a que veio. A promessa quando da inauguração do complexo de vigilância da região era de que ele poderia monitorar e detectar os menores focos de queimada ou qualquer intruso como homens e máquinas de garimpeiros em locais não autorizados.
O noticiário diário mostra que a Amazônia, principalmente nos últimos três anos, voltou a sofrer com o desmatamento e garimpo ilegais e as queimadas.
Na COP 26, a tônica deve ser, de novo, a promessa de implementar medidas para conter o desmatamento e a cobrança de concretização de um mercado de carbono que gere receitas para os Estados da Amazônia.
Mas o que fazer com o dinheiro que o mundo poderia destinar à região? Se ele for usado para melhorar um pouquinho que seja a vida daquelas pessoas em situação mais vulnerável, como descrito acima, valerá os esforços.
Mas o que se vê até aqui é muito discurso e pouca ação. O olhar para a Amazônia precisa partir de dentro e não de fora, de quem sequer conhece a realidade do povo que vive na região.