Nos últimos anos vivemos uma conjuntura desfavorável para a construção da paz. No cenário internacional, a guerra da Ucrânia simboliza a violência dessa época. A explosão da pandemia da Covid-19 demonstra que participamos de sociedades doentes e pouco dispostas ao cuidado da vida. As mudanças climáticas ocasionadas pelo nosso modelo de produção e desenvolvimento colocam em risco a existência da humanidade. A busca desenfreada pelo lucro, o consumismo desequilibrado, a ânsia pelo poder e o império da competição doentia.
No plano nacional também não temos sido tão cordiais como costumam salientar a respeito do brasileiro. Nós não fizemos o que poderíamos ter feito no combate à pandemia da Covid-19. Aproximamo-nos dos 700 mil óbitos e ainda estamos em situação preocupante em muitos Estados da Federação. Junto a essa situação, temos mais de 33 milhões de pessoas sobrevivendo com fome. Além disso, o Brasil perdeu 13,1% de mata nativa nos últimos 36 anos, sendo o agronegócio e a agropecuária os principais responsáveis.
Mesmo com a vitória da Democracia, o último período eleitoral demonstrou que o país passa por um ciclo obscuro, com o predomínio de autoritarismos e ideologias de extrema direita. Mentiras, corrupção, uso inadequado do aparato estatal e violência são alguns dos ingredientes que desvelam o nosso cenário político. Grupos terroristas, antidemocráticos e articulações ultraconservadoras financiadas por grandes capitalistas procuram conturbar a liturgia democrática da posse do novo governo, vencedor legitimo das eleições presidenciais.
No âmbito da Amazônia, vislumbramos dinâmicas destruidoras. A região concentra o maior crescimento de favelas no país, durante os últimos 37 anos. O MapBiomas informa que Manaus (AM) está no topo desse crescimento, com 10 mil hectares de áreas informais. Belém (PA) também se destaca nesse ranking, apresentando 5 mil hectares de favelas. A destruição da floresta Amazônica em 2022 atingiu a pior marca em 15 anos. Segundo dados do Imazon, somente nesse ano mais de 10 mil quilômetros de vegetação nativa foram destruídas.
Diante desse cenário, o clamor mais audível é o grito pela paz. É necessário iniciar um ciclo diferenciado caracterizado pela paz, pela fraternidade e pela justiça. Alternativas de desenvolvimento baseadas na proteção das florestas e no desenvolvimento social precisam ser estimuladas. Territórios e povos indígenas buscam ser valorizados e potencializados. Relações mais igualitárias e respeitosas entre homens e mulheres são imprescindíveis para o inicio de uma nova dinâmica social e cultural.
O novo governo gera boas expectativas ao criar o Ministério dos Povos Originários e coloca-lo sob a liderança de Sônia Guajajara, indígena maranhense que apresenta habilidade para responder as demandas dessa população, que foi marginalizada no governo Bolsonaro. Marina Silva também gera expectativas positivas, ao comandar o Ministério do Meio Ambiente. Amazônida do estado do Acre, Marina conhece como ninguém a necessidade de proteção dos biomas brasileiros, abrindo novos horizontes de sustentabilidade ambiental.
Outros Ministérios como Fazenda, Previdência, Trabalho, Cidades, Educação, Saúde e Direitos Humanos sinalizam que estamos entrando em uma nova fase, que parece ser marcada pela preocupação em atender as necessidades reais do povo brasileiro. O Brasil precisava dessa virada, pois a população não suporta mais tanta hostilidade. O Ano Novo traz expectativas de mudanças benéficas para o país, mas é necessário que a classe política seja acompanhada de perto, pois nesse grupo existem segmentos de todas as vertentes ideológicas e interesses.
O Ano de 2023 deve ser construído com alegria e cuidado, exigindo o empenho da população para fiscalizar e pressionar as classes políticas, visando colocar em marcha as mudanças que aspiramos. Não convém deixar que os políticos tomem decisões sem respaldo e debate públicos, principalmente quando tais decisões nos afetam. Urge que a paz seja restabelecida, mas essa conquista não dispensa a atuação firme dos setores democráticos da sociedade. Quanto mais consolidamos a democracia, mais avançaremos na construção da paz.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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