
Em uma era incessantemente dominada pela busca por gráficos fotorrealistas, onde cada poro da pele e cada folha de árvore são renderizados com precisão quase obsessiva, alguns jogos emergem como um lembrete encantador do poder e da beleza dos estilos artísticos únicos. O game Bayonetta Origins: Cereza and the Lost Demon, lançado para o Nintendo Switch, é um deles. A história que se passa antes da saga frenética de Bayonetta se destaca não só pela sua jogabilidade diferenciada e focada em exploração, mas principalmente pelo seu visual que remete a um livro de histórias em aquarela, um verdadeiro deleite para os olhos e uma prova de que a arte nos games vai muito além da mera replicação da realidade.
Mais que meros Pixels, a arte como narrativa
O estilo visual de Bayonetta Origins não é, em absoluto, apenas uma escolha estética casual; ele é uma parte integrante e indissociável da experiência de jogo. Com suas cores suaves e etéreas, traços fluidos que parecem pinceladas de um artista, e uma paleta que evoca as delicadas ilustrações de contos de fadas infantis, o jogo mergulha o jogador na infância de Cereza. A narrativa, mais leve, introspectiva e focada na exploração de puzzles e no autodescoberta, se alinha perfeitamente a essa abordagem artística, distanciando-se intencionalmente da ação frenética, adulta e muitas vezes bombástica dos títulos principais da série.
A sensação ao jogar é a de folhear um livro mágico e interativo, onde cada cenário, cada personagem e cada criatura são meticulosamente pintados com carinho, atenção aos detalhes e uma paixão visível pela arte. Essa abordagem permite que o jogo conte sua história não apenas através de diálogos e cutscenes, mas através de cada pixel desenhado, cada sombra suave e cada brilho de luz, criando uma tapeçaria visual que é tão narrativa quanto o próprio enredo.
Além do fotorrealismo
O sucesso de Bayonetta Origins nos convida a uma reflexão mais profunda sobre a importância da direção de arte na construção da identidade de um jogo e na sua capacidade de perdurar na memória dos jogadores. Enquanto uma parcela significativa da indústria busca incessantemente replicar a realidade com precisão quase fotográfica, outros estúdios e desenvolvedores optam por caminhos distintos, ousados e igualmente impactantes, provando que a criatividade artística não conhece limites técnicos.
Um exemplo deslumbrante é Ori and the Blind Forest (e sua sequência, Ori and the Will of the Wisps) que transporta os jogadores para um mundo de beleza etérea, onde cada folha e cada criatura são desenhadas com uma precisão artística que remete a pinturas digitais. As cores, o jogo de luz e sombra, e as animações fluidas criam uma atmosfera de conto de fadas sombrio e esperançoso, que é fundamental para a emoção da narrativa. O impacto visual de Ori não reside em texturas de alta resolução, mas na coerência e na beleza poética de seu design.
Outro caso emblemático é Cuphead. Lançado com a estética dos desenhos animados dos anos 1930, completos com celulóides desenhados à mão, arte em aquarela e jazz da era da Big Band, o jogo é uma aula de direção de arte. O visual de Cuphead não é apenas um truque; ele é intrínseco à sua identidade, justificando seu gameplay desafiador e criando uma experiência inesquecível que é diferente de qualquer outra coisa no mercado. O charme atemporal de Cuphead garante que ele continuará sendo visualmente relevante por décadas.
E como esquecer o icônico The Legend of Zelda: The Wind Waker? Em 2002, quando o jogo foi lançado, sua estética cel-shaded (que simula a aparência de desenhos animados) foi inicialmente controversa para alguns fãs que esperavam um visual mais “realista” após Ocarina of Time. No entanto, com o tempo, Wind Waker provou que seu estilo artístico era uma obra-prima. As expressões dos personagens, as cores vibrantes do oceano e o design dos ambientes contribuíram para uma aventura charmosa e expressiva que envelheceu incrivelmente bem, mantendo seu apelo visual por mais de duas décadas. A direção de arte do jogo não foi uma limitação técnica, mas uma escolha que enriqueceu a narrativa e a experiência de jogo.
A lista de exemplos é vasta e inspiradora
Okami
Com seu estilo de arte que simula pinturas japonesas em sumi-ê (tinta), transporta os jogadores para um mundo mitológico de tirar o fôlego, onde cada golpe da espada de Amaterasu é uma pincelada divina.
Persona 5: Embora tenha um estilo anime, sua interface de usuário e os menus são obras de arte por si só, com cores vibrantes, design gráfico ousado e uma atitude punk-rock que complementa perfeitamente a narrativa.
Hades
Com seu estilo de arte desenhado à mão que se inspira na mitologia grega, oferece uma experiência visual densa e cheia de personalidade, onde cada personagem e cada inimigo são ricamente detalhados.
Borderlands
Sua estética cel-shaded com contornos pretos grossos, que lembra uma graphic novel interativa, não apenas define sua identidade visual, mas também permite que o humor e a irreverência do jogo se manifestem plenamente.
Gris
Este jogo de plataforma e puzzle é uma obra de arte em movimento, com seus visuais aquarelados e fluidos que contam uma história emocional sem a necessidade de diálogos, provando o poder da estética na narrativa.
Journey
Com seus vastos desertos e estruturas antigas em ruínas, apresenta um estilo visual minimalista, porém evocativo, que foca na beleza da paisagem e na emoção da exploração.
A beleza dos gráficos estilizados muitas vezes permite que equipes menores ou com orçamentos mais limitados criem jogos visualmente deslumbrantes. Ao invés de investir pesadamente em tecnologia de ponta para renderização fotorrealista, os recursos podem ser direcionados para o talento artístico, para a criação de designs de personagens inovadores, cenários detalhados e animações expressivas.
A preferência entre realismo e estilização é subjetiva e depende do gosto pessoal de cada jogador. No entanto, é inegável que a beleza dos gráficos “estilo conto de fadas” e outros visuais estilizados representam um triunfo da arte sobre a mera técnica, provando que a imaginação e a visão criativa são, e sempre serão, os verdadeiros pilares da imersão e do sucesso duradouro no vasto e diverso mundo dos videogames.