A visão integral da água rompe a mentalidade superficial, adotando um olhar que considera as suas diversas funções no ciclo da vida, na sociedade e no planeta. Por exemplo, ao invés de contemplar a água simplesmente como commodities a serem comercializadas para produzir lucros, respondendo aos interesses econômicos de grandes corporações, a ecologia integral a concebe como um elemento essencial a ser considerado nas suas múltiplas conexões, devendo ser protegido e administrado adequadamente para o beneficio de todos.
É nesta perspectiva que o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA 2018) salienta que “a água é um bem comum e deve ser preservada e gerida pelos povos para as necessidades da vida, garantindo sua produção e perpetuação”.
Uma visão sistêmica da realidade nos proporciona a compreensão de que tudo está interligado. O papa Francisco nos lembra que o tempo e o espaço não são independentes entre si. Nem os próprios átomos e as partículas subatômicas se podem considerar separadamente. Assim como os vários componentes do planeta – físicos, químicos e biológicos – estão relacionados entre si, assim também as espécies vivas formam uma trama que nunca acabaremos de individuar e compreender. Boa parte da nossa informação genética é partilhada com muitos seres vivos.
Esta ligação entre os seres mostra a temeridade inerente às abordagens fragmentárias que privilegiam perspectivas particulares sem considerar o todo. Ao contrário, a noção de bem comum destaca a importância da água para todos os seres vivos, mostrando que ela pertence a todos, não podendo ser adequadamente compreendida por nenhuma visão parcial da realidade nem ser apropriada por nenhum interesse privado.
A concepção da água como um bem comum resulta de uma visão ampla segundo a qual se vislumbra as diversas funções da água no ecossistema e na sociedade, destacando a sua essencialidade na trama da vida. A definição da água sob esse ponto de vista assume que a responsabilidade da manutenção do atendimento das necessidades da humanidade e dos demais seres do planeta deve ser da própria sociedade organizada e articulada nos seus diversos níveis. Assim a água não pode ser reduzida à mercadoria, aprisionada pela lógica de lucro, pois, nessa opção, há o risco de que a sociedade transfira a sua responsabilidade pelo cuidado desse elemento vital às corporações.
Por ser um bem comum essencial, o cuidado da água deve ser um compromisso de toda a sociedade, exigindo uma gestão democrática, com a participação dos diversos atores sociais. Essa essencialidade da água torna o abastecimento humano uma responsabilidade de todos. Este princípio também é defendido pelo italiano Riccardo Petrella, quando ele salienta que as sociedades devem cobrir coletivamente todos os custos da captação, purificação, armazenamento, distribuição, utilização e reciclagem, necessários para garantir o acesso básico à água para todos.
A concepção de bem comum inspira-se na supremacia do interesse de todos, fundamentando a luta pelo reconhecimento do direito humano à água, que é travada por numerosas organizações internacionais, organizações não governamentais e especialistas ambientais. Ao ser configurada em torno de comunidades locais, esta concepção tem estimulado ao redor do mundo soluções para um gerenciamento da água integrado, solidário, sustentável e eficiente, incluindo a determinação e assunção dos custos envolvidos nestes processos.
A água é responsável pela manutenção da vida, realizando a ligação de todas as coisas e fazendo dialogar diferentes áreas do conhecimento, como filosofia, antropologia, física e ecologia. Os estudos sobre as águas reforçam a noção de ecologia integral, valorizando a complexidade do real sem se fechar em um único ponto de vista, abrindo a experiência do saber para a diversidade das manifestações da vida.
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