“Tudo se discute neste mundo, menos uma única coisa: a democracia. Ela está aí, como se fosse uma espécie de santa no altar, de quem já não se espera milagres, mas que está aí como referência. E não se repara que a democracia em que vivemos é uma democracia sequestrada, condicionada, amputada.” O presta-atenção é de José Saramago, escritor português já falecido, em sua participação do Fórum Social Mundial, em 2005, ao exaltar o espírito democrático, e denunciar a farsa política em que vivemos. Nada mais atual no país do puxadinho politico, ético e jurídico.
O modo de organização política é objeto de grandes discussões desde que os seres humanos começaram a organizar suas coletividades. Na medida em que fomos nos construindo enquanto povos, nossos sistemas sociais foram ganhando diferentes configurações, sempre em nome de atender as demandas e necessidade de preservação e suposto desenvolvimento daquele próprio sistema e dos sujeitos que os dirigem.
Não há sistema perfeito. Há boas e más maneiras de identificar e atender as reais demandas de uma sociedade. Como disse uma vez Wilston Churchill “A democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor que ela.” Não devemos mais procurar uma saída que exclua o valor democrático. Deveremos sempre fazer o contrário, isto é, melhorá-la. Para as mazelas da democracia, mais democracia…
O primeiro passo a dar é reconhecer que o sistema político em que vivemos, longe da democracia, mais se assemelha plutocracia, sistema onde os mais ricos são os que, verdadeiramente, mandam e desmandam nas decisões mais importantes.
Tal configuração se torna mais do que evidente sob observação da história da geopolítica nos últimos séculos. Ludibriar “povo” – aquele que deveria em tese ser o maior responsável pelas decisões políticas de uma sociedade, virou a tarefa mais urgente e sofisticada a ser cumprida. Com um sistema fundado nas aparências, não sobra lugar para a essência humana, para usar uma categoria de Platão em seu Mito das Cavernas.
A concentração de poder historicamente se apresenta como um grave problema de gestão pública. Diluir o poder pelo povo surgiu daí como uma maneira interessante de fazer das pessoas as próprias responsáveis por suas condições e destino – nada mais longe da verdade.
O poder continua concentrado, e se engana quem diz que são os políticos os únicos donos desses privilégios. Na plutocracia, o Estado não passa de um gestor de imposições. Bem na contramão do que dizem os ingênuos neoliberais, cumprindo a as ordens dos donos do poder, numa relação simbiótica e promíscua.
Saramago foi além: “O poder do cidadão, o poder de cada um de nós, limita-se, na esfera política, a tirar um governo de que não se gosta e a pôr outro de que talvez venha a se gostar. Nada mais. Mas as grandes decisões são tomadas em uma outra grande esfera e todos sabemos qual é. As grandes organizações financeiras internacionais, os FMIs, a Organização Mundial do Comércio, os bancos mundiais. Nenhum desses organismos é democrático. E, portanto, como falar em democracia se aqueles que efetivamente governam o mundo não são eleitos democraticamente pelo povo? Quem é que escolhe os representantes dos países nessas organizações? Onde está então a democracia?”
Pode-se facilmente inferir o que está implícito no discurso de Saramago de que seriam necessárias mais eleições, isto é, de maior poder de escolha na representatividade do povo pela classe política. Porém, o que o escritor parece não questionar é que: se de fato, uma democracia representativa pode respeitar e funcionar a partir dos interesses populares em sua última instância. Nessa questão abre-se um paradoxo: dado que as pessoas, em sua maior parte, são vítimas de uma sabotagem cognitiva, ética e crítica, como poderia uma democracia direta trazer benefícios a própria população de modo geral? Saberiam as pessoas o que elas quererem efetivamente ou elas refletem aquilo que interessa que elas queiram? O que é melhor para elas? Continuamos.
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