Enquanto o Orçamento Estadual cresce e Bolsonaro vai acabando com a Zona Franca de Manaus (ZFM), o interior do Amazonas está a cada dia mais abandonado.
Desde fevereiro deste ano, visitei vários municípios do Estado para prestar contas do mandato, fiscalizar as emendas parlamentares e conversar com a população para ouvir seus anseios e dificuldades. Ao longo do Rio Solimões e proximidades, estive em São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antônio do Içá, Tonantins, Fonte Boa, Jutaí, Tefé, Alvarães, Uarini e Codajás. Também visitei Itacoatiara, Urucurituba e Boa Vista do Ramos, no Baixo Amazonas; Humaitá, no Rio Madeira; e Iranduba e Novo Airão, próximos de Manaus.
Em maior ou menor escala, a maioria dos municípios padece de problemas semelhantes, que mostram o descaso do Governo Federal e Estadual com o interior.
O Orçamento Estadual cresceu nos últimos três anos. Em 2019, foi de quase R$ 20 bilhões; em 2020, alcançou R$ 22,7 bilhões; e em 2021, chegou a R$ 25,5 bilhões, o que projeta valor semelhante para 2022. Mas isso não se reflete em investimentos para melhorar os serviços públicos nos municípios interioranos.
Salvo Parintins, nenhum município do interior tem UTI e maternidade completa e a maioria dos exames especializados depende de laudos emitidos em Manaus. A gestão compartilhada onera bastante os municípios, que deixam de investir na atenção básica.
A segurança pública é uma ficção. As delegacias estão caindo aos pedaços. Em Uarini, a porta de entrada é um plástico. Em Tefé, a sala do delegado está afundando e só tem uma viatura velha funcionando. Já em Fonte Boa, o único investigador não dá conta de tantos roubos. Não tem policiais. Guardas municipais atuam no improviso e são responsáveis por presos e registros de ocorrências. Municípios com seis policiais militares não têm segurança preventiva. Por isso, crescem os roubos, o tráfico de drogas, a pirataria nos rios e o medo crescente da população
Os ataques e o descaso do Governo Federal com a ZFM não são diferentes em relação ao interior do AM. O fim do Programa Luz para Todos, a privatização da Energia e o aumento da tarifa deixam milhares de famílias às escuras. Poucos municípios têm internet de qualidade. Altos custos no transporte fluvial. Preços proibitivos nas passagens aéreas. E a maioria dos municípios tem pista de pouso insegura.
Reclamação em todos os municípios é sobre os serviços da previdência pública. Tem agências do INSS fechadas, serviços virtuais que não funcionam e milhares de idosos, pessoas com deficiência e trabalhadores incapacitados sem acesso a benefícios e aposentadorias.
O custo de vida cresce e empobrece a população. O preço do botijão de gás está acima de R$ 130, chegando até a R$ 150. A gasolina vendida a R$ 8, R$ 9 e até R$ 10 por litro em alguns municípios. Tudo isso deixou o povo sem condições de viver com dignidade.
A assistência técnica é incipiente. Agricultores, produtores rurais não conseguem se organizar e ter produtividade, bem como escoar a produção, com os ramais e as estradas intrafegáveis. Em Uarini, os pequenos produtores de farinha pouco ganham, pois os atravessadores ditam o preço. Em Codajás, a maior parte do açaí vai para ser beneficiado e geram emprego em Manacapuru. Muitos pescadores e ribeirinhos são empurrados para o garimpo, onde são explorados nesta atividade predatória, que se alastra pelos rios Jutaí, Japurá, Madeira, dentre outros, pela total ausência dos órgãos do Estado.
É de se perguntar: em que estão sendo aplicados os recursos do Fundo para a Interiorização e Turismo (FTI), do Governo do Estado, que deveria fomentar o turismo e os investimentos para a economia do interior¿
Se a ZFM acabar, piora o quadro do interior. Menos arrecadação de ICMS é menos recursos para os municípios. E menos recursos para a UEA. Esta depende do fundo de recursos advindos das empresas industriais incentivadas. São mais de R$ 300 milhões por ano.
Os dois governos, Bolsonaro e Wilson Lima, estão terminando. Deixaram um legado de pobreza e abandono ao interior do Amazonas. O povo anseia por governos que ouçam e atendam às demandas dos municípios do Amazonas.
José Ricardo Wendling é formado em Economia e em Direito. Pós-graduado em Gerência Financeira Empresarial e em Metodologia de Ensino Superior. Atuou como consultor econômico e professor universitário. Foi vereador de Manaus (2005 a 2010), deputado estadual (2011 a 2018) e deputado federal (2019 a 2022). Atualmente está concluindo mestrado em Estado, Governo e Políticas Públicas, pela escola Latina-Americana de Ciências Sociais.
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