São complexas as relações entre política, religião e democracia, e durante muito tempo foram interpretados como conceitos e fenômenos praticamente antagônicos. As últimas eleições, seja no Brasil, Bolívia ou México, foram definidas através de ampla interferência religiosa, com isso, surgem possibilidades para refletirmos sobre o tema, contribuindo para identificação de agendas públicas comuns que possam contribuir para expansão da democracia brasileira.
O Estado brasileiro é laico segundo nossa Constituição Federal, prega a desagregação da religião e seus valores aos atos políticos. Na democracia, a pluralidade de crenças e valores é incalculável, justamente por proteger a liberdade. O Estado deve agir com neutralidade nas mais diversas pautas, dessa forma, a laicidade é um princípio crucial para manutenção da democracia e os direitos individuais e coletivos.
As religiões organizadas enquanto instituições de representação e normatização da fé de seus adeptos deveriam colocar em suas agendas questões comuns, dentre elas as temáticas liberdade e democracia. Cada dia mais distante na prática!
A laicidade do Estado indica que este não pode privilegiar nenhuma religião especifica, bem como, que todas as religiões têm o direito de exercer sua cidadania política perante o Estado.
Essa dialética delicada precisa ser equacionada, todos os grupos da sociedade civil devem ter direito a voz e participação política, mas, nenhum grupo social – religioso ou civil – numa democracia laica, pode ter voz mais forte do que o outro em sua participação política.
Então, torna-se necessária novas formas de articulação entre as religiões e a vida democrática? A legitimidade da participação das religiões na esfera pública é salutar, até mesmo, pela capacidade das mesmas oferecerem conteúdos morais e éticos para a revitalização do projeto democrático e para a superação das patologias modernas, desde que, atente para a necessidade de se evitar o dogmatismo e a coerção moral muitas vezes presentes nos discursos religiosos envoltos a temas políticos partidários.
O que temos visto nos períodos eleitorais, onde entidades religiosas se entrelaçam com agremiações partidárias, pela conquista de poder e força política, além de errada teoricamente, é equivocada politicamente, na medida em que perde de vista as potencialidades democráticas existentes nas tradições religiosas.
A influência religiosa da sociedade na constituição de cada Estado democrático de direito é indiscutível, porém, na medida que ganham maior espaço nos legislativos municipais, estaduais e federais, estes segmentos ampliam a pressão no sentido de inviabilizar a conquista de novos direitos que sejam contrários ao lobby religioso, e assim interferem na vida democrática.
Portanto, há aqueles que defendem as tradições religiosas, sustentando que elas devem regular as principais diretrizes da vida democrática, também podemos encontrar aqueles que suportam a tese do total banimento público da participação religiosa, como se suas aparições devessem se restringir ao espaço privado.
Sustentamos a ideia, de um terceiro caminho, que, respeitando as conquistas seculares da democracia moderna, não deixe de se abrir para um diálogo mais fraterno com as diferentes organizações civis, para desempenharem um papel importante neste embate, identificando agendas públicas comuns potencialmente transformadoras, capazes de articular segmentos pertencentes a diferentes setores, religiosos ou não, respondendo aos desejos e anseios do cidadão comum.
Sérgio Augusto Costa é Advogado, especialista em Direito Penal, Processo Penal e Eleitoral.
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