Por Patrícia Borges, Da Redação
MANAUS – No início do ano passado a drag Uýra Sodoma e o fotógrafo Matheus Belém começaram as produções da série fotográfica ‘A última floresta’, uma documentação artística sobre o processo de desmatamento na Amazônia. O material começou a ser lançado este mês.
Um trecho da estrada de Iranduba e dois da AM-010 (Manaus-Itacoatiara) são os cenários das fotos que compõem dois ensaios, um deles tendo o fogo e o outro a terra pelada como elementos do desmatamento. Emerson Munduruku, biólogo e artista visual que vive a drag Uýra, explica o processo artístico e de exibição das fotos.
“É a Uýra em interação com o fogo, com a terra pelada. Uma série muito tocante que vem propor um olhar pra esse processo que já é secular na Amazônia e que vem se intensificando, se agravando e destruindo a vida dentro do nosso território. Queremos expor o material de forma contundente na imprensa por entender que, neste momento, é urgente falar sobre o desmatamento.” diz Emerson.
Segundo o artista, ‘A última floresta’ chega como uma manifestação em resposta aos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e às tentativas do governo de negar o desmate na Amazônia. “Bolsonaro sempre defendeu agronegócio, agropecuária e mineração em áreas protegidas da Amazônia, é um amigo dos ruralistas. Em prol do agronegócio, o presidente insiste em negar o aumento do desmatamento na Amazônia. Temos que responder enquanto artista, ambientalista, imprensa e sociedade. Ninguém vai negar a realidade que a gente vive.”
Pesquisa
Mestre em Ecologia pelo Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), Emerson compôs um grupo de pesquisas com profissionais nacionais e internacionais para avaliar os impactos de mudanças climáticas sobre anfíbios, répteis, e mais recentemente, plantas e outros animais.
“No meu estudo em particular, sob orientação da Dra. Fernanda Werneck, usando dados do Inpe e de outras renomadas instituições de pesquisa, detectamos estimativas de altos riscos de extinção para uma espécie de lagarto (Kentropyx calcarata ou Calango-da-Amazônia), a partir de medidas que evidenciam o quanto o clima influencia no metabolismo do animal, indicando que por volta do ano de 2050, esta espécie de lagarto amazônico tem 70% de chances de ser extinta.” explica Munduruku.
O biólogo explica ainda, que aumentos de calor futuros podem dizimar todas as populações, exceto umas poucas, onde pode haver migração de indivíduos para áreas com clima mais equilibrado, como o da floresta. Porém, para isso é necessário a existência de floresta.
“Essa postura do governo de não deixar transparente suas propostas de combate ao desmatamento da Amazônia, de atacar às instituições engajadas nesta missão e também de estimular os ruralistas, miram para um maior desmatamento de uma Amazônia cuja área total desmatada já supera 20%. Perder a floresta significa uma Amazônia de deserto e um Brasil passando sede.”
Inpe
Munduruku analisa o impasse entre o governo Bolsonaro e o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Desde maio, o governo vem desmentindo dados oficias do Inpe.
Bolsonaro considerou mentirosos dados recentes divulgados pelo instituto sobre o aumento do desmatamento na Amazônia. Na última sexta-feira, 2, ele exonerou Ricardo Galvão da chefia do órgão. O coronel da reserva da Aeronáutica Darcton Policarpo Damião foi anunciado como presidente interino do Inpe.
Para o artista e ambientalista, o trabalho realizado pelo Inpe é uma ameaça às políticas ambientais propostas pelo governo em benefício a ruralistas, por isso a instituição vem sendo alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro.
“O trabalho que o Inpe faz é muito sério e reconhecido mundialmente. O instituto divulga dados, e as formas de coleta desses dados, que sinalizam áreas de devastação para que o Ibama fiscalize. O presidente diz que esses dados são mentirosos ou exagerados, desqualificando o trabalho do Inpe sem dizer, por exemplo, que medidas de enfrentamento ao desmatamento eles preveem, que resultados querem alcançar.”
Quanto à exoneração de Ricardo Galvão, Munduruku aponta como vergonhosa a postura do presidente. “O governo acusa sem evidências, de forma vergonhosa, sem ao menos, abrir uma sindicância para apurar dados ou a postura da chefia do Inpe. É esse o dever de um chefe de estado, e não abrir a boca pra acusar sem evidências. Desqualificou o trabalho do Inpe e agora substituiu interinamente o diretor Galvão por um militar.”
Uýra Sodoma
Uýra Sodoma, entidade em carne de bicho e planta que habita e reflete Manaus, é considerada um dos maiores símbolos de preservação ambiental da atualidade, conquistando repercussão internacional e tendo o trabalho divulgado na mídia francesa, americana e britânica.
Até o dia 30 de outubro, fotografias, vídeos e instalação artística mostram a trajetória da drag queen na exposição ‘Uýra, a árvore que anda’, em cartaz na Galeria do Largo (R. Costa Azevedo, 290 – Centro), com acesso gratuito. Duas fotos da série ‘A última floresta’ compõem a exposição.
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