Será que um dia ainda conseguiremos repetir o 20 de junho, quando milhões de brasileiros tomaram as ruas e praças do país? Não creio. Entendo que o movimento passou e que seus slogans foram abandonados. Não veremos mais as faixas pedindo o fim do desperdício do dinheiro público, em obras suntuosas e dispensáveis, ‘padrão Fifa’, da corrupção, da impunidade e de serviços públicos mal prestados, a prisão dos mensaleiros, mais verbas para saúde, educação e transporte público, dentre outras.
Encontra-se vencida a história de que o “gigante acordou”, porquanto voltou a dormir em “berço esplêndido” e de lá parece que tão cedo não sairá. O pretexto inicial, capitaneado com exclusividade pelo chamado Movimento Passe Livre, alargou-se e ganhou novas dimensões, alcançando um espectro que envolveu diversas e amplas demandas da sociedade. Mas, muito bem, como fruto dos protestos, o que é que de fato foi conquistado? Nada, rigorosamente nada, com exceção de uma outra redução no preço das passagens do transporte público. Portanto, subsistem os motivos que levaram a população às passeatas, uma vez que não fizeram coisíssima nenhuma em relação às demais reivindicações populares. Ficou-se apenas no blá-blá-blá palaciano, comandado pela presidente Dilma Rousseff, mais uma vez devidamente aconselhada por Lula, em torno do plebiscito e da reforma política, como típicas manobras diversionistas, que todos sabiam que jamais sairia do papel.
Ainda assim, freou-se o ímpeto do povo. Por conseguinte, qual a razão ou quais as razões de tão brusca interrupção, quando tudo parecia vir abaixo? Quem efetivamente ganha ou perde com a paralização da irresignação coletiva? As respostas, de tão óbvias, estão na ponta da língua. É claro que ganham o Palácio do Planalto, o Congresso, a classe política e todas as forças atingidas pelo movimento, enquanto perde a cidadania, em prejuízo dos processos de afirmação de um novo momento de conscientização da vontade coletiva. Cabe então aos beneficiários agradecer aos vândalos e baderneiros, aos denominados ‘black blocs’, como responsáveis pelo esvaziamento das manifestações, hoje reduzidas a quatro gatos negros e pingados, que praticam toda sorte de desatinos pelo Brasil afora, especialmente em suas grandes metrópoles.
Essa gente é que afastou a população das ruas, em particular, a classe média, que marcava presença significativa e dominante nos atos. Esses segmentos sociais não aprovam e não toleram a ação violenta e destruidora do patrimônio público, constituído com recursos de seu próprio bolso. Além do mais, logo no início, convém refrescar a memória, foram identificadas várias organizações paramilitares infiltradas no movimento, alguns policiais à paisana e outros militantes que puxavam o cordão do vandalismo, em confronto direto com contingentes policiais.
O resultado de tudo isso já está aí e já pode ser visto com clareza. O poder contestado nas ruas não teve o menor pejo de manter o mandato do deputado-presidiário Natan Donadon, que despacha a partir da Penitenciária da Papuda, em Brasília, e o Supremo Tribunal Federal está às vésperas de salvar da condenação criminal pesada os mais notórios mensaleiros, José Dirceu & Cia. O recebimento dos casuísticos embargos infringentes, excrescência com feitio próprio, porquanto derrogados pela lei que trata dos recursos nos tribunais superiores do país, depende apenas de um voto, com nossa mais alta Corte de Justiça inteiramente dividida, diante de um caso que tem o clamor da Nação pela punição de quem assaltou e conspirou contra os valores e instituições democráticas.
Mantidos os protestos em sua grandiosa e inaugural proporção, ninguém ousaria agir com tamanha desfaçatez, excluindo-se Lewandovisky e Tofoli, que já chegaram ao STF no cumprimento de missões previamente definidas. As indagações finais são assim elementares. A quem aproveita o crime? Quem se dá bem com a ausência e o silêncio da população? Quem tudo fez para absolver a cúpula do PT no STF, muitos de seus fundadores e ex-presidentes, apanhados no maior escândalo de corrupção da história da República?
Por essas e por outras, não tenho a menor dúvida de que interesses do poder levaram à implosão da luta popular, independente da ação radical e predadora dos verdadeiros ‘black blocs’ e de outros anarquistas de ocasião. Há loucos de todo o gênero, salta aos olhos, mas uns e outros aproveitam a situação e o caos que provocam em proveito de seus interesses e em atenção a objetivos ocultos, que dificilmente virão à tona.
Neste ponto, há indisfarçável sentimento de identidade entre os senhores do poder e os vândalos, mais do que nunca interessados em expulsar o povo das ruas.