A violência organizada, seja a legítima seja a não legítima, constituiu-se, principalmente a partir do século XX, num grande e lucrativo negócio, difícil de frear e praticamente impossível de combater com base apenas num modelo fundado na repressão policial-judicial e em milionárias campanhas publicitárias de manipulação coletiva.
A violência legítima, aquela praticada com a tolerância da sociedade, inclusive com respaldo de regra jurídicas, apresenta-se em franca expansão, em especial sob a forma de veículos, produtos e serviços de entretenimento. Basta verificar a massa de adeptos entusiasmados que o “pão e circo” das lutas e competições pseudo-esportivas reúne. Associado a isso, estão certos práticas que não constituem propriamente modalidade esportiva, eivadas de violência física, violência verbal, exacerbação química etc. Aliás, a violência simbólica está organizada, também sob o manto da legitimidade conferida pelo direito, em novelas, em filmes, em revistas eletrônicas sensacionalistas da tragédia e outras tantas programações em veículos de comunicação de massa. Não podemos esquecer que violência praticada pelo Estado, por meio da polícia, do judiciário ou qualquer outro poder ou instituição, somente é legítima quando executada para defender a vida e a dignidade humana, em especial na proteção e assistência às vítimas de condutas criminosas.
Não é legítimo modernamente ao Estado, seja ele qual for, conforme as regras de direito internacional, e em muitos países no próprio direito pátrio, permitir que a população morra nos corredores de hospitais, não ofertar programas de socialização para convivência segura, não oportunizar educação qualidade às pessoas, não combater a corrupção, o saque e o desvio de recursos públicos, e responder aos protestos do povo nas ruas por seus direitos apenas com repressão policial e lavagem cerebral por meio de onerosas peças publicitárias. Essa violência, muito embora se tente persuadir massivamente do contrário, não é legítima, em que pese o catálogo de leis “úteis” que servem para garantir o refúgio da impunidade aos praticam ações ignóbeis enquanto proferem os mais belos discursos.
A condução a uma função ou cargo público, seja por via eletiva seja por via de concurso público, não pode ser considerada uma procuração em branco com legitimidade absoluta para que o gestor ou representante eleito, como também o servidor público ou a autoridade pública concursada, proceda como bem entenda ou atue sem o necessário comprometimento para com a superação da violenta realidade social e da viciada ineficácia institucional, buscando reorientar a sociedade numa perspectiva de liberdade, justiça, segurança e cidadania condizente com a dignidade humana.
Essa diretriz ética é essencial ainda para nortear ações que concorram para o tratamento e superação da violência não-legítima. Por mais que se busque combater repressivamente a violência não-legítima, aquela que consiste na delinquência e na criminalidade da economia do crime e das organizações criminosas, sem uma profunda revisão do papel do Estado e de sua relação com a sociedade, reformando seus poderes e diversas instituições, dificilmente se poderá alcançar resultados efetivos e duradouros contra a lucrativa máquina da violência organizada.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.