A paralisação do sistema transporte coletivo no dia 17 desse mês em Manaus, mostra a situação caótica e o total descontrole da Prefeitura de Manaus em relação a esse serviço público essencial na vida da população.
A paralisação foi anunciada pelo Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários de Manaus, com vários dias de antecedência, dentro do previsto na Constituição e nas leis sobre o direito da greve, quando todas as formas de negociação já foram esgotadas, junto aos empresários e a Prefeitura. Os empresários entraram na Justiça e conseguiram uma liminar para impedir a greve. Mas os trabalhadores não obedeceram, e fizeram uma paralisação geral, que durou quase um dia, pois a mesma Justiça determinou a prisão dos dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores e a paralisação terminou. Por ora.
Esses são os fatos noticiados. Mas o que realmente está por trás dessa situação que se repete de tempos em tempos em Manaus, que envolve os trabalhadores, os empresários, a Prefeitura e a população?
Os trabalhadores estão cobrando reajustes de salários e outros direitos trabalhistas e previdenciários. Têm direitos. Devido a situação econômica e a inflação anual, os salários perdem poder aquisitivo. Têm razão em cobrar reposição. Se as negociações não prosperam e a Justiça não decide, a greve é um direito. Neste caso, o Sindicato tem esse papel de cobrar e pressionar.
Mas não pode se calar, quando os ônibus estão caindo aos pedaços e o contrato de serviço não é cumprido pelas empresas e nem fiscalizado pela Prefeitura. O Sindicato tem até vereador eleito pela categoria, mas que sempre está do lado do prefeito. Aí fica muito difícil.
Os empresários não querem pagar o reajuste salarial solicitado pelos trabalhadores e cobram reajuste da tarifa de ônibus. Ora, as empresas tem contrato firmado com o poder público, a Prefeitura de Manaus. Tem regras e obrigações com o serviço e os trabalhadores, mas não cumprem.
Tem muitas empresas que não recolhem corretamente a Previdência Social e o FGTS. É constante as denuncias de desconto do INSS do contra cheque dos motoristas e cobradores e depois a empresa não recolhe. O que prejudica a aposentadoria e direitos dos trabalhadores. Aliás, é um roubo das empresas, quando não recolhem essas obrigações.
As empresas querem aumento da tarifa. Ano passado conseguiram na Justiça o reajuste da tarifa de R$ 3,00 para R$ 3, 54. Por liminar foi suspenso. A Prefeitura ainda não aprovou esse reajuste. Devido as eleições, o prefeito Arthur Neto disse que não iria aumentar. E fez palanque político sobre o assunto. Mas tudo indica que a qualquer momento vai reajustar.
Reajustar a tarifa de ônibus, sem um estudo prévio dos custos alegados pelas empresas e sem uma planilha de custos aberta, transparente, discutida com a sociedade, será um reajuste abusivo e que irá prejudicar ainda mais a população.
Há mais de três anos as empresas recebem benefícios de incentivos fiscais e subsídios municipal e estadual para a tarifa. Foram em torno de R$ 106 milhões em 2016, com incentivos de ISS, ICMS, PIS, Cofins e IPVA, e subsídios mensais de R$ 2,5 milhões. Muito dinheiro, o serviço não melhora e a tarifa aumenta. Está na hora de reavaliar esses benefícios para as empresas, visto que não cumprem o contrato.
Contrato da Prefeitura com as empresas prevê renovação da frota e qualidade no serviço. Mas o que a população está vendo é que a frota está diminuindo e está envelhecida. Em 2016, não entrou nenhum ônibus novo em Manaus. Pela Lei Orgânica, a frota teria uma renovação de no mínimo de 20% ao ano. Mas não é cumprido.
A Prefeitura, que é o poder concedente, não fiscaliza, não cobra, não intervém, não multa, não faz nada. Os empresários dominam, fazem o que bem entendem, sob o olhar passivo do prefeito reeleito de Manaus. Não há fiscalização nos terminais e nenhuma segurança. A onda de assaltos e roubos, agressões e depredações nos ônibus leva o pânico aos seus usuários.
A maioria dos bairros não tem abrigos nas paradas de ônibus. Responsabilidade do prefeito.
O certo é que Manaus não tem um Plano de Mobilidade, nem um Plano de Transporte Coletivo. Uma terra sem prefeito.
Com tudo isso, os grandes prejudicados são os trabalhadores rodoviários e a população que diariamente se submete a andar em ônibus sem segurança e com tarifa cara.
Está na hora de uma intervenção no sistema de transporte, garantido o direito dos que trabalham no setor e garantindo o direito de ir e vir de toda a população, que paga pelo serviço, hoje deficiente.
Transporte é direito social previsto na Constituição. É assunto a ser resolvido com uma administração responsável e planejada, não na Justiça ou na polícia.
José Ricardo Wendling é formado em Economia e em Direito. Pós-graduado em Gerência Financeira Empresarial e em Metodologia de Ensino Superior. Atuou como consultor econômico e professor universitário. Foi vereador de Manaus (2005 a 2010), deputado estadual (2011 a 2018) e deputado federal (2019 a 2022). Atualmente está concluindo mestrado em Estado, Governo e Políticas Públicas, pela escola Latina-Americana de Ciências Sociais.
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