Quanto vale o voto do eleitor? O saudoso senador Evandro Carreira costumava bradar “Seu voto é uma bomba!”. A propaganda da Justiça Eleitoral convida o eleitor a decidir os destinos do País e os políticos tentam incutir na cabeça da população que “o voto é uma arma contra os maus políticos”. O que não se consegue no Brasil é o respeito ao voto do eleitor. Delega-se a um punhado de senadores, deputados e vereadores a representatividade da população nos parlamentos, mas acompanhe o que fazem os parlamentares no dia a dia. Negociam, tripudiam, praticam todo tipo de arbitrariedade para atender a interesses, que nunca é o interesse da maioria dos representados.
No Congresso Nacional, assistimos a um espetáculo deprimente nos últimos dias, e engana-se quem pensa que é diferente do cotidiano de Brasília. Quem acompanha o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff percebe o quão frágeis são os debates. Perdem-se dias em discussões que não levam a nada, porque as cartas estão marcadas. Não haverá mudança de posição, apresente-se o argumento que for. Bastou o PMDB desembarcar do governo e mostrar aos demais partidos a possiblidade de tomada do poder para arregimentar os que se sentiam pressionados pelas ruas. E assim se formou a maioria na Câmara dos Deputados pra aceitar o pedido de impeachment.
Enquanto uns apresentam-se nas TVs ao vivo, outros dos mesmos partidos já negociam cargos para o futuro novo governo, com a velha turma que perdeu a eleição, que foi rejeitada pelo voto da maioria, regida por Michel Temer, alguém que sempre esteve com a presidente desde os primeiros dias do primeiro governo. Nunca se viu uma crítica do vice-presidente, a não ser para reclamar do tratamento que recebia, como “vice decorativo”. Ora, foi o “vice decorativo” que assumiu, no ano passado, a articulação política do governo no Congresso.
Mas está tudo armado para o “vice decorativo” tomar o poder e distribuir os ministérios com a antiga oposição, que perdeu quatro eleições presidenciais seguidas. E não adianta querer novas eleições. Essa é a vontade da população brasileira, população que os parlamentares disseram, na votação do impeachment na Câmara dos Deputados, que representavam e atendiam porque havia um clamor pelo afastamento da presidente. Esses mesmos eleitores que queriam o impeachment da presidente, agora querem novas eleições.
Quem aposta que haverá novas eleições? O desenho que se forma aponta para outro rumo. A sede pelo poder jamais permitirá aos homens e mulheres do PMDB abrir mão de um mandato surrupiado no grito. Os partidos já estão se acomodando nos cargos e tudo ficará bem entre todos. Esse eleitor que foi às ruas pedir o fim da corrupção e a saída do PT e de Dilma do poder, não voltará tão cedo às manifestações, apostam os arquitetos do impeachment. Basta para isso que se prometa que tudo vai ser diferente.
Para isso, contam com a grande mídia. A Revista Veja já mostrou como deve tratar o futuro presidente, ao apresentar uma reportagem sobre a futura primeira-dama: “bela, recatada e do lar”. Em nome da necessidade de reformas, de tempo para a economia voltar a crescer e de remédio amargo para curar as feridas abertas por Dilma, a mídia ajudará ao imprimir no país o retrocesso social que já foi desenhado pelo PMDB quando publicou o documento “Uma ponte para o futuro”. Quem viver verá. O eleitor terá que esperar mais dois anos e meio para tentar dar novo rumo ao Brasil. Tentar, porque o eleito não é o que governa nas democracias frágeis. O escolhido nas urnas está sempre vulnerável e à mercê da vontade de um Congresso que se alimenta de cargos, vantagens e mordomias.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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