Ninguém no Brasil cantou a liberdade com tanta eloquência e vigor poético como Antônio Frederico de Castro Alves. E somente na praça, com o mais puro oxigênio, o povo poderia absorvê-la, respirando-a em sua máxima intensidade. Funda-se como território sagrado e inviolável da democracia, desde tempos imemoriais, que remontam às ágoras gregas e aos fóruns romanos.
A praça é do povo, sempre pertenceu ao povo, como o condor sempre fez do céu o seu domínio, diz o poeta Castro Alves, grandiloquente em defesa do cidadão livre, pela abolição da escravidão, em todas as suas formas e exteriorizações. E nela, “quando nas praças s’eleva, do povo a sublime voz … Um raio ilumina a treva, o Cristo assombra o algoz”, há de ser ouvida a sociedade, seus anseios e clamores, em nome da qual erige-se o Estado e constitui-se o governo democrático.
É o que fará o povo no próximo dia 15, domingo, ao ocupar as praças e ruas do país, alinhado com os mesmos princípios advogados no século XIX pelo condoreiro baiano. O Brasil segue escravizado pelo subdesenvolvimento, pelas graves distorções econômicas entre suas diversas regiões, pela corrupção endêmica, pela incompetência e pela incúria na administração pública. A pobreza, a ignorância e as agruras sociais marcam contingentes significativos da população, criando-se um ambiente propício ao crime organizado, que domina importantes espaços públicos urbanos nas principais capitais do país, frente à incapacidade notória do poder público de se fazer presente em áreas conflagradas pela violência.
De mais a mais, há um fosso profundo entre as classes dirigentes e o povo, que não mais se sente representado nos diversos estamentos de poder. Com a redemocratização, vencidas as primeiras e dolorosas frustrações, com a morte de Tancredo, o governo Sarney e a deposição de Collor, os brasileiros apostaram no PT, ao elegerem o metalúrgico Lula da Silva, mesmo após o governo moderno de saneamento fiscal e estabilidade monetária da gestão Fernando Henrique Cardoso.
Ledo engano, como se dizia no jornalismo de antigamente. O PT, na realidade, revelou-se como sempre foi, rançoso e atrasado. Não votou em Tancredo contra Maluf no colégio eleitoral, nos tempos da ditadura já agonizante, assinou de nariz torcido a Constituição de 1988, combateu o governo de união nacional de Itamar Franco e foi contra a Lei de Responsabilidade Fiscal. Em tudo, acometido pela mesma doença infantojuvenil do radicalismo típico da esquerda inconsequente, que o tem caracterizado desde o nascedouro, em campanhas do tipo “Fora FHC”, que agora tanto condena diante da possibilidade do impeachment da presidente Dilma.
Tinha que dar no que deu. O metalúrgico, ainda que a duras penas, porquanto sem alternativas, foi compelido a manter os fundamentos da política econômica implantada com êxito pelo Plano Real na administração FHC. Conseguiu, em oito longos anos, adiar o desastre, que viria inevitável no governo de sua pupila, cuja tônica maior é a da incompetência e da frouxidão ética, com a hidra da inflação mostrando as garras e a economia em absoluto descontrole.
Na condução da questão política, outro fracasso. Esgotado o chamado presidencialismo de coalizão, todo ele edificado na miséria moral e política do é dando que se recebe, Dilma sucumbe às pressões partidárias e tenta sem sucesso recompor seu governo, em cima de acordos frágeis logo violados. Na luta do poder pelo poder e na avidez incontrolável para manter os feudos conquistados com o gigantesco aparelhamento do Estado, o que menos conta ou não conta é o espírito público e republicano. De partido da boquinha, em boa hora denunciado lá na origem por Leonel Brizola, com seu inato talento na construção de verves políticas plenas de ironia, o PT transformou-se no partido da bocarra, insaciável na apropriação de recursos bilionários dos cofres do erário.
É um quadro caótico. No Legislativo observa-se a degradação política levada ao extremo, com seus dirigentes mergulhados em escândalos. Agem como se não tivessem que dar satisfações à população que os elegeu, distanciando-se ainda mais da sociedade e de suas aspirações mais elementares.
Portanto, com tantas razões e apreensões, em momento nevrálgico para a nacionalidade, é que o povo vai às ruas e praças do país. Quer e exige ser ouvido, em nome da Constituição da República. Em seu texto, afinal, como estatuto maior da Nação, tem-se consagrado o seu direito de exercer o poder, nomeando seus representantes, em eleições livres e diretas. No entanto, como corolário da mesma prerrogativa constitucional, também reserva-se igual poder de revogar os mandatos concedidos.
Eu, embora com a idade já avançada de algumas décadas, estarei na rua, ao lado de minha gente, em comunhão com os mais justos sentimentos do povo brasileiro.
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