A oposição deita e rola na onda da Operação Lava Jato e das implicações de Lula com o Ministério Público e a Justiça, clamando pelo estado democrático de direito e insistindo na tese de que “a lei é para todos”, que ninguém está acima da lei. O mesmo faz uma parcela da sociedade que desde a reeleição de Dilma Rousseff e antes dela, na campanha eleitoral de 2014, passou a manifestar-se pela derrubada do PT e da presidente da República. Estão certíssimos. O problema é que “nunca na história desse país” a lei foi para todos. E assim continua.
A lei no Brasil é para quem tem dinheiro, para quem tem amigos no Poder e para quem contrata não os melhores advogados, mas os que tem melhor “trânsito” nas instâncias julgadoras. O Ministério Público – já se discutia isso por ocasião da tramitação da Proposta de Emenda à Constituição que ficou conhecida como PEC da Mordaça – é uma instituição seletiva, ou seja, os procuradores e promotores elegem aquilo que lhes convém para investigar. A Operação Lava Jato é a exceção à regra, e talvez por ser exceção, procuradores, delegados da PF e magistrados cometem uma série de “equívocos”, como a ilegal condução coercitiva de Lula, nesta sexta-feira.
Parlamentares que hoje aplaudem as ações da Lava Jato e dela tiram proveito político são os mesmos que estão com seus processos parados no Judiciário. Querem um exemplo: o tal Paulinho da Força (Paulo Pereira da Silva), presidente nacional de um partido denominado Solidariedade e presidente licenciado da Força Sindical. Em setembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal aceitou denúncia do Ministério Público e ele virou réu em um processo em que é acusado de desvio de recursos do BNDES (Bando Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A Procuradoria da República pede a condenação dele por crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Enquanto o processo está parado no STF, Paulinho é representante do povo no Congresso Nacional e faz manobras para manter Eduardo Cunha na presidente da Câmara dos Deputados, enquanto atua para viabilizar o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Eduardo Cunha é outro exemplo. O processo contra ele no Conselho de Ética, que poderia tira-lo da presidência da Câmara e do cargo de deputado por quebra de decoro parlamentar, não avança, porque a instituição não funciona. O Poder Legislativo brasileiro é uma vergonha nacional.
No âmbito local, quantas denúncias de corrupção estão engavetadas, sem investigação do Ministério Público, da Polícia Federal ou da Polícia Civil. Todo leigo sabe como funcionam os esquemas de corrupção nas prefeituras e nos governos, mas passa-se uma vida e as investigações não avançam. O caso mais recente é o das denúncias feitas pelo ex-secretário da Seinfra (Secretaria de Estado de Infraestrutura) Gilberto de Deus. Como noticiou o AMAZONAS ATUAL, o principal processo para investigar o caso foi aberto por iniciativa de dois procuradores de Contas do Tribunal de Contas do Estado, está parado nas mãos de um auditor. Todos os pedidos de diligência e documentos que podem comprovar as denúncias foram negados.
O Ministério Público Estadual juntamente com a inteligência da Secretaria de Segurança Pública, recentemente, criaram uma força-tarefa que resultou na Operação Cauxi. Prenderam o prefeito de Iranduba, Xinaik Medeiros, e meia dúzia de secretários. Depois, veio a Polícia Federal, com a Operação Dízimo, e prendeu novamente os secretários já presos e alguns vereadores de Iranduba. A acusação: desvio de recursos públicos, que foram contabilizados como sendo R$ 53 milhões, mas a conta incluía todos os contratos do município.
Esse mesmo Ministério Público e essas mesmas polícias não se dispuseram a criar uma força-tarefa para investigar os contratos da Seinfra denunciados por Gilberto de Deus. Um dos contratos, com a Egus Consult, que foi distratado em julho de 2015, a Seinfra mandava a empresa fiscalizar obras no interior do Estado, mesmo tento técnicos e engenheiros para essa tarefa. Foi um contrato de R$ 133,5 milhões e a empresa recebeu cerca de R$ 58 milhões. Gilberto de Deus disse que o contrato era totalmente desnecessário. Há ainda inúmeros contratos suspeitos, com pagamentos de serviços visivelmente não realizados.
No passado recente, há outros casos de obras suspeitas que nunca foram investigadas, como a Ponte Rio Negro, contratada por R$ 574,8 milhões, mas que foi inaugurada depois de consumir R$ 1,091 bilhão. O Ministério Público chegou a instaurar inquérito, pedir documentos do governo do Estado, mas as quase duas dezenas de caixas de documentos estão mofando em alguma sala do MP-AM. No ano passado, o então procurador-geral Francisco Cruz, em uma entrevista na TV Cultura, foi questionado sobre o andamento da investigação, e disse que o MP-AM não dispõe de gente capacitada, como engenheiros, para analisar a obra, e nem tinha dinheiro para contratar os serviços.
A obra da Arena da Amazônia, que ronda o noticiário nacional, com expectativas de que verdades venham à tona com a delação premiada de executivos da Andrade Gutierrez, empresa que construiu o novo estádio, nunca recebeu a atenção dos órgãos de controle do Estado. O Ministério Público Federal também tirou o corpo da reta, afirmando que o dinheiro para a obra era federal, mas contraído pelo governo do Estado por empréstimo. Portanto, não era competência do MPF, porque o governo iria pagar a dívida.
Como se vê, a lei e o estado democrático de direito são para quem não orbita o poder ou quem os grupos de poder querem ver distante da máquina administrativa. A lei no Brasil não é para todos. Se fosse, muitos dos políticos que batem no peito e bradam contra a corrupção, estariam na cadeia.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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