O que há de republicano na Polícia nesses anos de República no Brasil?
De fato, é instigante pensar na Polícia como instituição republicana. Isso nos permite examinar com algum critério sobre o que ocorreu com as polícias nesses 125 anos de República. A polícia tem atuado, ao longo desse período, em benefício predominantemente da coisa pública? Ela tem servido melhor aos regimes políticos abertos ou aos fechados nessa experiência dita republicana?
Qualquer singela pesquisa histórica ou sociológica pode demonstrar que as policiais no Brasil foram sempre refratárias das orientações e características políticas de governo. Tanto no processo de Independência (1822) quanto no golpe da República (1889), elas pouco participaram politicamente. Na realidade, ficaram ao lado de quem venceu. Nunca se propuseram a exercer um papel mais influente na vida política do país, diferentemente das forças armadas. Contudo, sempre buscaram cumprir disciplinadamente as missões e as tarefas que lhes foram demandadas.
Aparentemente, os regimes politicamente fechados no Brasil demonstraram-se mais eficientes na instrumentalização das polícias que os politicamente abertos. É que na ausência de liberdade de ir e vir e de expressão os regimes de força parecem ser mais eficazes. Porém, o fato é que, em ambos os casos, tanto na ditadura quanto na democracia, durante esses 125 anos de República, os governos têm fracassado reiterada e sistemicamente em usar as polícias como ferramentas de segurança pública. Há um abismo entre o resultado que se espera das polícias e o que a sociedade brasileira necessita em termos de segurança pública enquanto direito social e individual fundamental, conforme a previsão constitucionalmente (art. 5º, 6º e 144/CF).
Na maioria das vezes, a polícia é empregada para “apagar incêndios”. Atua no enfrentamento e no controle da criminalidade sem que o Estado dê seqüência à ação policial com programas de prevenção e de assistência articulados à inclusão social, formação para cultura da paz e ocupação de áreas vulneráveis com ações de cidadania. No vácuo de ação e de assistência deixado pelo ente estatal e pela comunidade opera diuturnamente a economia do crime, firmando domínios territoriais e virtuais por meio dos múltiplos tentáculos de que dispõe as atuais organizações criminosas. Resultado: expande-se uma polícia cada vez mais belicista, repressiva e encarceradora, expondo a população e os policiais a extremados riscos.
Em concreto, tanto os policiais quanto a população, em especial em zonas de risco e em áreas de conflito bélico entre Polícia e infratores, acabam virando “bucha de canhão” no complicado jogo de “estímulo–resposta” ou “ação delinqüente–reação policial”, que constitui um dos elementos estruturais para justificar o modelo “poder-polícia-prisão” e o sistema de representação política vigente.
Reproduz-se, com isso, um ciclo policialesco vicioso de combate à criminalidade sem resultado efetivo na promoção da segurança pública, que repercute em tom de espetáculo nas mídias, mas relega a polícia, cada vez mais, a uma perspectiva anti-republicana.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.