Com base na lei 12.871/2013, conhecida como lei do programa mais médicos, e em uma resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) do ano 2014, foi instituída este ano pelo Ministério da Educação (MEC) a Avaliação Nacional Seriada dos Estudantes de Medicina (Anasem), uma avaliação que será aplicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) aos graduandos do curso de Medicina do segundo, quarto e sexto anos. A primeira edição já ocorrerá no próximo mês de agosto e será obrigatória para os alunos que entraram no curso a partir de 2015 e que, portanto, estão no segundo ano de formação.
As provas do segundo e quarto ano terão um caráter diagnóstico, servindo para evidenciar as lacunas deixadas na formação dos graduandos. No entanto, a terceira avaliação, realizada no sexto ano, será decisiva para os estudantes, pois a partir de agora o direito ao exercício da profissão estará atrelado a um rendimento mínimo (nota de corte) obtido nessa avaliação, sendo justamente este o ponto que tem sido alvo das mais duras críticas por parte de alunos e professores dos cursos de Medicina, que enxergam na medida um caráter punitivo ao aluno não levando em consideração a responsabilidade da instituição na sua formação.
Vale destacar que esta prova tão polêmica que será realizada no último ano de curso seguirá os mesmos moldes adotados pelo Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira (Revalida), neste exame são avaliadas cinco grandes áreas – clínica médica, ginecologia e obstetrícia, pediatria, cirurgia e medicina da família – em provas realizadas em duas fases. Na sua última edição, em 2015, o Revalida reprovou mais de 57% dos 4.283 candidatos que realizaram a prova, em 2014 a taxa de reprovação ficou na casa dos 67%.
Dados parecidos com os do Revalida emergem também da prova realizada pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), no estado paulista todos os recém-graduados que dão entrada para obterem seu registro junto ao conselho são obrigados a fazerem um exame cujo resultado não interfere na obtenção do registro, mas serve para que o Conselho consiga ter ideia da qualidade da formação médica nas universidades paulistas. Em 2015, dos 2.891 recém-formados que se submeteram a prova do Cremesp 55% foram reprovados, ou seja, não conseguiram responder pelo menos 60% das questões que lhes foram apresentadas.
Em provas como as realizadas pelo conselho paulista é comum alunos errarem questões cujos conhecimentos envolvidos são considerados fundamentais para o exercício da profissão como, por exemplo, sobre os procedimentos no atendimento inicial de vítima de acidente automobilístico, de vítima de ferimento por arma branca, pneumonia, pancreatite aguda e pedra na vesícula. Ainda segundo o Cremesp, dois em cada três participantes de uma das edições de sua prova não souberam avaliar o risco operatório para uma mulher com pedra na vesícula, diabética, hipertensiva e com histórico de angina (estreitamento de artérias que provoca dor no peito) durante esforços moderados.
Segundo o MEC, a Anasem objetiva justamente avaliar a incorporação de conhecimentos, habilidades e atitudes necessários a prática médica pelos graduandos durante o processo formativo, serão provas que irão avaliar o conhecimento teórico e as habilidades clínicas. Com uma avaliação assim, sendo aplicada a todos os estudantes de Medicina do país, haverá a possibilidade de se ter um retrato confiável da formação médica que temos hoje no Brasil. Outro ponto positivo é o fato de sua aplicação ser seriada, o que permite identificar os problemas na formação e poder realizar as intervenções adequadas a tempo de se alcançar o mesmo grupo de alunos avaliados inicialmente.
Vale lembrar que com a imposição do MEC, de o exercício da profissão só se dar através da aprovação na Anasem, o Ministério pode acabar atrapalhando um claro objetivo que vem perseguindo nos últimos anos, o de chegar a ter a proporção de 2,7 médicos para cada mil habitantes, um número que é referência internacional, hoje esta proporção se encontra na casa dos 1,8 médicos para cada mil habitantes. É por este motivo que temos observado os cursos de medicina se multiplicarem em todo o Brasil, não só em universidades federais recém-criadas, mas também em faculdades particulares, contudo, a ampliação do número de vagas traz consigo o desafio de se manter a qualidade do ensino, e é deste aspecto que a avaliação proposta pelo MEC tenta dar conta, de maneira questionável, é claro, impondo uma restrição severa aos alunos cuja graduação possa não ter lhes proporcionado o conhecimento suficiente para o exercício da profissão, mas em última análise resguardando os cidadãos da atuação de profissionais que mal formados, mesmo que não por sua culpa, iriam lidar com o bem mais precioso que existe, a vida humana.