MANAUS – No dia 31 de março, a Câmara Municipal de Manaus (CMM) realizou uma audiência pública para ouvir a sociedade sobre as elevadas tarifas de água e esgoto impostas aos manauaras pelo grupo empresarial Aegea Saneamento, gestor dos serviços na cidade. O evento foi de autoria do vereador José Ricardo (PT) e contou a participação de lideranças de comunidades e movimentos sociais de todas as partes da capital amazonense. Também participaram da discussão representantes do Poder Concedente (Prefeitura Municipal), da concessionária Águas de Manaus e da Agência Reguladora dos serviços de água e esgoto (Ageman).
A iniciativa visou impulsionar a discussão sobre as tarifas dos serviços de água e esgoto de Manaus, mostrando a inviabilidade da política tarifária adotada pela concessão privada, uma vez que não é apresentada nenhuma justificativa plausível para se cobrar valores tão elevados por serviços conhecidamente precários. Manaus é a cidade que cobra as tarifas mais caras da região Norte, ameaçando o acesso das populações mais pobres a estes serviços básicos que são reconhecidos como direitos fundamentais. Tarifas tão caras em uma cidade desigual como Manaus promovem injustiça contra a população, excluindo contingentes populacionais significativos do acesso aos direitos de cidadania.
Tarifas extravagantes como as cobradas pelos serviços de água e esgoto de Manaus contribuem para a consolidação e ampliação das desigualdades sociais e a normalização de uma estrutura social autoritária e excludente. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2024) revela que Manaus, com 53,9% de sua população residindo em favelas e comunidades urbanas, é a cidade brasileira com o maior índice de pessoas vivendo em favelas e tem a quarta maior favela do país. Trata-se da comunidade Cidade de Deus/Alfredo Nascimento com 55.821 moradores, atrás somente da Rocinha, no Rio de Janeiro, do Sol Nascimento, em Brasília (DF) e de Paraisópolis, em São Paulo (SP). O IBGE/2024 também frisa que Manaus tem um índice de pobreza de 62,3% no seu entorno.
A política do retorno econômico empregada pelas empresas privadas eleva ao máximo os preços dos serviços, pois elas primam pela crescente elevação dos lucros, ignorando as condições econômicas e sociais dos consumidores. Não é por acaso que as tarifas de água e esgoto de Manaus são tão abusivas! A situação fica ainda pior quando sabemos que tais serviços são de baixa qualidade e muitas vezes nem estão disponíveis, mas são cobrados pela empresa de forma ilegal. Estas foram algumas das reclamações realizadas pelos moradores na audiência pública da Câmara Municipal de Manaus, no último dia 31 de março.
Estes são alguns dos motivos pelos quais centenas de países têm retomado das empresas privadas os serviços de água e esgoto. São os casos, por exemplo, da França, Alemanha, Argentina, Equador, Venezuela, Jamaica e Bolívia. Este último gerou a famosa Guerra da Água, no ano 2000. A população se rebelou contra os abusos da empresa, que chegou a cobrar pela água da chuva. Em Cochabamba, após uma intensa luta que uniu a população do campo e da cidade, os cochabambinos conseguiram reverter a privatização, retomando os serviços de água e esgoto da cidade, um feito inédito na América Latina.
A audiência pública constitui mais um episódio do drama vivido pela população de Manaus, que tem sido explorada por empresas de saneamento (água e esgoto) ao longo dos últimos 25 anos. Além das dezenas de audiências públicas realizadas para ouvir as reclamações da população contra as empresas, a concessão privada já foi investigada por três Comissões Parlamentares de Inquérito na Câmara Municipal (2005, 2012 e 2023).
Diante da gravidade do problema, a última CPI fez acordo com a concessionária Águas de Manaus para diminuir a tarifa de esgotamento sanitário de 100% para 80% do valor cobrado pela água, mas de forma provisória. Todas estas intervenções apontam para a profundidade dos atritos existentes entre a empresa e a população, que já se encontra exausta de tanto desrespeito e agressão.
A audiência pública mostrou que os conflitos da população contra a política privatista adotada em Manaus estão distantes de serem resolvidos. Tanto a empresa Águas de Manaus quanto a Prefeitura e a Agência Reguladora não apresentaram respostas satisfatórias para a população, intensificando a sensação de impunidade e abandono.
A população é prejudicada sendo afetada pela falta de esgotamento sanitário e o descumprimento de direitos básicos. Esta situação é agravada pela deterioração do meio ambiente que é impactado pelo lançamento de esgoto nos corpos hídricos.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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