Há quem diga que o principal problema do Brasil contemporâneo seja a sistemática prática da corrupção. Contudo, vale explorar melhor – para além de negar que isso seja um grande problema – qual é a questão fundamental que define e determina os caminhos do país, de forma a fazer sentido a mesmice dos absurdos que vemos todos os dia nos jornais.
Ao tratar do ‘absurdo’ em voga, vem à memória o existencialismo de Albert Camus. Embora não tenha tratado de política de forma central, dois pilares do seu pensamento se mostram como bases interessantes para ilustrar o que é esse bacanal dos bacanas do Brasil de hoje.
O primeiro, é o próprio conceito de absurdo,que se configura como aquele momento onde tudo aponta para um desfecho, para uma acontecimento razoavelmente esperado, aquilo que o senso comum chama de normal, beirando a visão determinista, ou seja, factível, enfim, para formar sentido para a compreensão humana. Portanto, a vida – como se forças celestiais usassem da ironia – prega uma peça em todos e faz o inesperado acontecer. Aquilo que não cabe na significação previamente dada, aquilo que demonstra que nossa inteligência falhou. É, em últimas palavras, quando nossa relação com o mundo das coisas diz do absurdo: “o buraco é mais em baixo”.
A segunda ideia se depreende do ‘Mito de Sísifo’. A estória de um homem comum que, ao desafiar os deuses em busca da Verdade, fora punido com a tarefa de levar nas próprias costas, por toda a eternidade, uma pedra do sopé até o topo da montanha. E, quando lá chegasse, a pedra lhe escaparia das costas, voltando ao ponto de origem, obrigando-o, num movimento eterno, a refazer o castigo.
O absurdo brasileiro de hoje não é a simples corrupção – até porque, quanto mais delações vêm surgindo, mais fácil é entender o sentido de toda essa rotina de indignação. O absurdo brasileiro é entender, ou melhor, acreditar, que um grupo de políticos toma o poder através dum golpe inédito e passa a realizar e a propor uma série imensa de contra-reformas que levam a lugar algum.
Por mais que algumas dessas medidas miraculosas tenham adotado alguns pensadores, todas elas levaram ao tédio final, ao desenlace social, ao abismo da desilusão generalizada. O Brasil acabou. Ao povo, assim como a Sísifo, resta amar esse castigo, renunciando à crítica ou recusa de sua perenização.
Ou impõe-se a conjugação coletiva do verbo desacreditar, quebrar se fez o mito de que é possível o Brasil – ou qualquer outro país periférico – ser uma Alemanha, os EUA ou um Reino Unido..
Isto é, a semelhança se faz nessa atitude esperançosa dos governos da Nova República, sobretudo depois de FHC, o falso príncipe dos sociólogos, de aceitar nossa situação de dependente e periférico e tentar desenvolver a nação a partir disso. Ou seja, nisso se faz também a diferença fundamental da situação do homem mítico camusiano, é sim possível negar, revogar, quebrar essa situação e avançarmos para uma nova era, onde o país tenha a capacidade autônoma de mandar e de fato governar, suas empresas e seu desenvolvimento. Ou quebramos ou revivemos a trilha absurda da panaceia política e do nhem-nhem-nhem eleitoral, ou messianismo da enganação.
Por que afundamos o Brasil? A resposta é clara quando se constata a íntima e promíscua relação entre o Estado brasileiro e o capital financeiro, as grandes empresas, os industriais, banqueiros, latifundiários, os grupos de monopólio de comunicação e todos esses grupos que desenvolveram esse formato perverso e purulento de proteger e ampliar compulsivamente seus lucros, como forma maior de manutenção desse Brasil colônia. A liturgia mais recente foi encomendada pelo governo Temer,colocando nas costas do trabalhador a pedra das despesas que o próprio capital criou.
Está mantido o rentismo, sagrado e intocado. A normalidade absurda em pagar o maior juro do mundo para usufruto dos bancos. Nesse passo – entra governo, sai governo – o Brasil mostra seu papel fundamental no jogo do capital financeiro internacional – até quando? – carregando com naturalidade perene o absurdo de uma rotina para deleite exclusivo dos donos do poder. Somos todos Sísifo…
(*) Igor é acadêmico de Filosofia
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