BRASÍLIA – A reforma da Previdência propõe que a regra de cálculo do benefício seja um piso de 51% da média de salários de contribuição do trabalhador acrescido de 1 ponto porcentual por ano de contribuição. Na prática, o piso será de 76% da média de salários, uma vez que a idade mínima subirá para 25 anos, explicou nesta terça-feira, 6, o secretário da Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano.
O benefício será limitado a 100% da média de salários de contribuição – o que, na prática, implica que o trabalhador terá de contribuir por 49 anos para ter direito ao benefício integral. O valor também continuará limitado ao teto do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), hoje em R$ 5.189,82. Com a nova regra tanto o fator previdenciário quanto a fórmula 85/95 deixarão de existir. “Alguém que tenha 26 anos de contribuição vai ter 77% do valor médio de contribuição”, exemplificou Caetano. “É bem mais simples que o fator previdenciário. Digamos que tenha 40 anos de contribuição. Sobre a média, aplicaria 91%”.
O secretário ressaltou que o piso do salário mínimo sempre será respeitado. “Digamos que a pessoa sempre tenha recebido o mínimo. Quando chegar à idade com o mínimo de contribuição (25 anos), não vai ser aplicado os 76%. Não haverá benefício menor que salário mínimo”, disse Caetano.
A nova regra de cálculo e o teto do RGPS também passará a valer para servidores públicos, mas seguindo regras de transição diferenciadas, por um período de dois anos. “Hoje, fica a cargo do Estado ou do município instituir aposentadoria complementar. O que estamos propondo é que todos os Estados e todos os municípios vão ter que ter previdência complementar. Se servidor quiser aderir ou não, fica a critério dele. Mas a aposentadoria acima do teto vai ser com base em sua própria poupança”, afirmou o secretário. Hoje, parte dos servidores já tem previdência complementar por meio do Funpresp.
Para quem já está no sistema, contudo, não haverá limitação do benefício ao teto, detalhou Caetano. Ou seja, a nova regra de submeter o valor ao teto do RGPS só valerá para quem entrar no serviço público a partir da promulgação da reforma e respeitado o período de transição da emenda.
Paridade
O governo também vai acelerar a transição para o fim da paridade nos reajustes dos aposentados do serviço público em relação aos aumentos dos ativos. “Estamos também acabando com a paridade para os servidores públicos. Extingue-se a integralidade e paridade dos servidores públicos homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45 anos na data da promulgação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição)”, afirmou Caetano. “Hoje, qualquer servidor que ingressou depois de 2003 deixou de ter paridade, mas estamos encurtando o período de transição. Servidores homens com 50 anos ou menos e mulheres com 45 anos ou menos vão ter seus benefícios corrigidos de acordo com inflação”, disse.
Policiais e bombeiros
A reforma da Previdência prevê que novos policiais civis, militares, federais e bombeiros também terão que cumprir a regra de aposentadoria com idade mínima de 65 anos e mínimo de 25 anos de contribuição.
A PEC enviada ao Congresso Nacional trará uma regra de transição apenas para policiais civis e federais. Para policiais militares e bombeiros, a transição será regulamentada pelos Estados. De acordo com Marcelo Caetano, policiais civis e federais homens com 50 anos e mulheres com 45 anos se aposentarão com 55 anos e 50 anos respectivamente.
Forças Armadas
Não haverá mudanças para os servidores das Forças Armadas. De acordo com Caetano, isso ocorre porque as regras para os militares não estão previstas na Constituição e as mudanças podem ser feitas sem necessidade de PEC. Ele afirmou, no entanto que o projeto de mudanças nas aposentadorias dos militares não está pronto e não há previsão para ser concluído.
Trabalhadores rurais
O secretário de Previdência afirmou que os trabalhadores em áreas rurais e pescadores artesanais também terão que seguir as novas regras da Previdência, caso a PEC seja aprovada, e só poderão se aposentar com 65 anos de idade e 25 anos de contribuição.
Atualmente, a idade mínima para se aposentar nessa categoria é de 55/60 anos (mulheres/homens) e 15 anos de contribuição. As novas regras para a aposentadoria dos trabalhadores em áreas rurais e dos pescadores artesanais também valerá para aqueles com menos de 50 anos. Para os mais velhos, será cobrado um pedágio de 50% no tempo que falta para se aposentar.
O texto da PEC não vai tratar do aumento da contribuição do trabalhador rural ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Atualmente, é aplicada uma alíquota de 2,3% sobre o valor bruto da comercialização da produção rural do trabalhador. Dessa forma o segurado tem direito ao benefício correspondente ao salário mínimo.
Segundo Caetano, a nova alíquota será individual e obrigatória, provavelmente sobre o salário mínimo, mas diferente da contribuição feita pelo trabalhador urbano. Essa nova alíquota para a aposentadoria rural só será decidida depois de a PEC ser aprovada, por meio de um projeto de lei a ser enviado ao Congresso Nacional.
O secretário de Previdência disse que a alíquota dos servidores públicos não aumentará de 11% para 14%, como o governo tinha cogitado. Segundo Caetano, essa decisão foi tomada dentro da premissa do governo de não aumentar novos tributos.
Receitas sobre exportações
O governo vai acabar com a isenção da contribuição previdenciária sobre exportações. De acordo com Marcelo Caetano, os exportadores que contribuem hoje sobre as receitas terão que pagar a contribuição previdenciária também sobre as receitas obtidas com as vendas ao exterior. Até agora, essas receitas não eram tributadas. Caetano disse que a isenção atualmente implica em uma renúncia de cerca de R$ 6 bilhões por ano.
O governo também proporá a criação de uma Lei de Responsabilidade Previdenciária, que trará os critérios para os regimes próprios de previdência. A proposta de emenda constitucional também prevê uma gestora única de previdência por ente federativo.
(Estadão Conteúdo/ATUAL)
Outra opinião, de Sakamoto, membro da OIT
Aposentadoria aos 65: Proposta sugere que trabalhador braçal é descartável
Leonardo Sakamoto
05/12/2016 – 19:01
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A proposta apresentada pelo governo Michel Temer para a reforma da Previdência Social considera que o Brasil é um grande escritório com ar condicionado, água mineral em copinho reciclável e mobiliário ergonômico, com polpudo tíquete-refeição, bônus no final do ano e previdência privada complementar.
Essa é a única justificativa plausível para propor 65 anos como idade mínima para aposentadoria, considerando que há milhões de trabalhadores braçais de Estados com baixo índice de desenvolvimento humano, como o Maranhão, cuja expectativa de vida é pouco maior do que isso. Muitos dessas pessoas começam a trabalhar antes mesmo da idade mínima de 14 anos prevista por lei (como aprendiz) e, aos 18, já cortavam 12 toneladas de cana de açúcar diariamente, queimavam-se produzindo carradas de carvão vegetal para abastecer siderúrgicas e limpavam pasto ou colhiam frutas sob um sol escaldante. Ou carregavam pesados sacos de 50 kg de cimento, caindo de andaimes na construção civil.
Essa mudança na Previdência pode ser plausível para a vida de advogados, economistas, jornalistas, cientistas sociais, administradores de empresas, políticos, magistrados, procuradores. Mas e para quem começou desde cedo entregando seu corpo como instrumento de trabalho para atividades físicas desgastantes e, agora, descobre que ele é tão descartável quanto luvas e máscaras?
O governo Michel Temer deveria ter que explicar a proposta para um grupo de cortadores de cana ou de pedreiros. Não através das propagandas bonitinhas feitas para a TV, que escondem boa parte dos fatos, mas sim em um ”pergunta e resposta”, cara a cara, mano a mano. Sem meias palavras, sem enganações. Se saírem inteiros de lá, podem tocar a reforma.
A sociedade mudou, a estrutura do mercado de trabalho mudou, a expectativa de vida mudou. Portanto, as regras que regem a Previdência Social podem e devem passar por discussões de tempos em tempos. E, caso se encontrem pontos de convergência que não depreciem a vida dos trabalhadores, não mudem radicamente as regras do jogo no meio de uma partida e atendam a essas mudanças, elas podem passar também por uma modernização.
Contudo, essa discussão não pode ser conduzida de forma autoritária ou em um curto espaço de tempo. Pois essas medidas não devem servir para salvar o caixa público, o pescoço de um governo e o rendimento das classes mais abastadas, mas a fim de readequar o país diante das transformações sem tungar ainda mais o andar de baixo.
O ideal seria, antes de fazer uma reforma da Previdência Social, garantirmos a qualidade do trabalho no Brasil, melhorando o salário e a formação de quem vende sua força física, proporcionando a eles e elas qualidade de vida – seja através do desenvolvimento da tecnologia, seja através da adoção de limites mais rigorosos para a exploração do trabalho. O que tende a aumentar, é claro, a produtividade. Basta ver a ”vida” dos empregados de frigoríficos em todo o país, que são aposentados por invalidez aos 30 e poucos anos por sequelas deixadas pelo serviço para entender do que estamos falando.
Mas como isso está longe de acontecer, a discussão talvez passe por um regime diferenciado para determinadas categorias, que manteria o tempo de contribuição para garantir a aposentadoria integral. Mas isso a reforma que está sendo proposta pelo governo não diz. Trata a sociedade como o grande escritório com ar condicionado ajustado para 17 graus citado acima. E, ainda por cima, quer mexer na aposentadoria rural – que é um dos maiores programas de distribuição de renda do país e garante a dignidade para milhões de pessoas.
Por fim, como já alertei aqui, o melhor de tudo é que o discurso está sendo construído de forma que os trabalhadores achem importantíssimo e justas as mudanças que vão lhes tirar direitos sem uma consulta prévia. Porque uma eleição é exatamente isso: uma consulta sobre um projeto de governo ou de país que se quer implantar.
Se, em uma eleição presidencial, ganhasse uma candidatura que defendesse abertamente a proposta de impor uma idade mínima de 65 anos para quem está na ativa à aposentadoria, a população brasileira, ao menos, terá sido consultada sobre fatos que interferem em sua vida.
Michel Temer quer aprovar a Reforma da Previdência o quanto antes a fim de mostrar para parte dos que o ajudaram a chegar lá que ele, quando promete, retira e entrega.
Sabe que a maior prova de que a população repudiaria qualquer político com essa plataforma é que a base aliada de seu governo no Congresso Nacional se borrou de medo de discutir a reforma da Previdência antes das eleições municipais. Afinal, o que diriam para seus eleitores sobre a razão de terem votado a favor de postergar a aposentadoria do populacho?
Há milhões de pessoas, fundamentais para o crescimento do país, que se esfolaram a vida inteira e não deveriam ser deixadas na beira da estrada quando deixarem a população economicamente ativa. …
UOL – posterior