Durante todo o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), deputados e senadores proferiram à exaustão que ela estava sendo extirpada do poder não pelo crime de responsabilidade em si, que era uma coisa insignificante, mas “pelo conjunto da obra”. Eles e elas que votaram contra Dilma sabiam bem o que estavam fazendo; só não diziam aos seus eleitores a verdade dos fatos. Agora, assistimos ao início do que se pode também chamar de “o conjunto da obra de Michel Temer”.
Aqueles que estavam cegos pelo ódio de Dilma e do PT, iludidos pelo discurso fácil da oposição e dos partidos que se uniram para dar o golpe que derrubou a presidente eleita pelo voto popular, talvez agora comecem a entender que não se tratava de uma simples operação de subtração de uma pessoa e adição de outra no poder central da República. Tratava-se, isso sim, de substituir um projeto de poder político e econômico por outro, totalmente contrário. Michel Temer é o representante desse novo projeto que agora começa a ser implementado e que não deixa dúvidas de que vai apertar a corda no pescoço dos mais pobres, do trabalhador.
As duas reformas já anunciadas como urgentes, a da Previdência e a trabalhista, são apenas a ponta do iceberg de uma política que vem para privilegiar aqueles que sempre sugaram o sangue e o suor do povo brasileiro. Quem não se lembra da crise iniciada no fim de 2008 e que se estendeu pelos anos seguintes? O governo, para não ver a indústria demitir os trabalhadores, como vinha ameaçando, fez todo tipo de concessão, reduzindo impostos e provocando uma redução drástica nos repasses de recursos aos municípios. Enquanto os prefeitos amargavam os efeitos da crise, a grande indústria festejava os lucros. Quando a fonte secou e não foi mais possível reduzir o manter a renúncia fiscal, a onda de demissões invadiu a praia dos trabalhadores.
Apiada pela grande mídia, que assombrava os brasileiros martelando que o país vivia a pior inflação de sua história (uma mentira deslavada repetida diariamente), a oposição e os golpistas conseguiram levar milhões de trabalhadores às ruas para pedir a saída de Dilma e do PT do poder.
Esses mesmos trabalhadores foram surpreendidos nesta quinta-feira, 8, pós-feriado da Semana da Pátria, pela notícia de que a reforma trabalhista de Temer inclui aumento de carga horária de oito para até 12 horas diárias, com limite de jornada de 48 horas semanais; hoje, a carga horária semanal é de 44 horas.
O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, que apresentou a proposta em evento de sindicalistas, disse que a reforma trabalhista vai assegurar que as convenções coletivas possam estabelecer como se dará a divisão de horas ao longo da semana. As entidades, no entanto, não terão poder de decidir sobre aumento ou redução da jornada.
No momento em que o país mais precisa gerar empregos, o governo de Michel Temer segue na contramão. Aumentar a carga horária de trabalho é exatamente o oposto do que defendem as centrais sindicais como forma de aumentar o número de postos de trabalho, ou seja, a redução de carga horária. Mas a proposta do governo é exatamente o que defendem as entidades representativas das grandes corporações.
O governo também vai incluir na reforma o contrato por hora trabalhada ou produtividade. E o ministro Nogueira, como diz matéria da Agência Estado, fez questão de frisar que a reforma não vai suprimir direitos dos trabalhadores. “No contrato por hora trabalhada, o trabalhador vai receber no contrato dele pagamento do FGTS proporcional, férias proporcionais e 13º proporcional”, disse o ministro.
Em relação aos novos tipos de contrato, por hora e por produtividade, o próprio ministério fornecerá os modelos e fará uma fiscalização incisiva, segundo o ministro: “O trabalhador vai ter um cartão com chip, onde estará a vida funcional dele, e vai escolher se será contratado por jornada ou por produtividade”.
Alguém acredita que a fiscalização do Ministério do Trabalho vai funcionar?
A reforma da Previdência ainda não foi apresentada em detalhes, mas deve chegar no Congresso Nacional nos próximos dias. O trabalhador comum, aquele que tem contrato regido pela CLT, se prepare, porque já foi dito que a aposentadoria dos militares não sofrerá alteração; certamente a da elite dos servidores públicos, como os membros do Judiciário e do Ministério Público também não deve sofrer perdas.
E nesse cenário, não custa lembrar da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) em sua cruzada em favor do impeachment: “Não vou pagar o pato”. Alguém tem dúvida de quem vai pagar o pato?
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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