EDITORIAL
MANAUS – Muito se falou nesses dias em cidades inteligentes, e autoridades do Amazonas tentaram vender a ideia de inserir Manaus no ranking dessa categoria. Na prática, Manaus está a anos-luz de se tornar uma cidade inteligente.
O IESE Business School, instituto da Universidade de Navarra (Espanha) faz um ranking anual das cidades inteligentes a partir de nove critérios: tecnologia, planejamento urbano, transporte e mobilidade, meio ambiente, governança, economia, coesão social, capital humano e projeção internacional.
Em uma avaliação grosseira, percebe-se que Manaus está bem distante da maioria dos critérios. Vejamos item por item.
Tecnologia: Desde a década de 1990, a propaganda politica em tempos de campanhas eleitorais vende a ideia de semáforos inteligentes para mitigar o problema do trânsito caótico da capital amazonense. Já se foram mais de 20 anos e a cidade continua com o mesmo problema e os rudes semáforos.
Planejamento urbano: Manaus não sai da estaca zero. Se houve planejamento urbano em qualquer época, os projetos ficaram guardados a sete chaves e nunca chegaram a ser apresentados. O urbanismo de Manaus é uma falácia. A cidade continua crescendo de forma horizontal, sem qualquer planejamento.
Transporte e mobilidade: esse item poderia até dispensar comentários. O transporte público de Manaus é um incentivo ao transporte individual por carro e moto. Manaus vive na idade da pedra em transporte e mobilidade. As prometidas ciclovias são miragem e o pedestre é desrespeitado de sol a sol, sem calçadas, sem faixas de pedestres seguras (em função da falta de empatia dos motoristas) e mais uma montanha de problemas.
Meio ambiente: os igarapés que cortam a cidade de Manaus são depósitos de lixo. Todos os dias, dezenas de toneladas de resíduos descem nas águas desses córregos para encontrar o Rio Negro. A sujeira nas ruas, a falta de arborização, os novos conjuntos habitacionais construídos sobre áreas de florestas devastadas demonstram o desprezo com que a cidade trata o meio ambiente.
Governança: entra governo e sai governo, e a população de Manaus assiste às mesmas prática de governança. Sem projetos ambiciosos, a cidade trabalha para “enxugar gelo”. Nada muda na governança estatal para melhorar a cidade e leva-la ao que se convencionou chamar de cidade inteligente.
Economia: neste item a cidade não teria motivos para comemorar, já que é o símbolo da Zona Franca de Manaus. No entanto, as riquezas produzidas no polo industrial incentivado não foram capazes de reduzir as desigualdades sociais. Grande parte da população da capital está mergulhada em bolsões de pobreza. Com tanta terra, a cidade não é capaz de produzir verduras e legumes para abastecimento do mercado interno, e precisa “importar” boa parte desses produtos.
Coesão social: outro item que afasta Manaus da lista de cidade inteligentes. A capital do Amazonas foi formada a partir de invasões, sem qualquer planejamento, e isso criou áreas de extrema pobreza, separadas de áreas consideradas nobres. Esse fator contribui para a falta de regras de reciprocidade, de consciência coletiva e de solidariedade, essenciais na construção de uma coesão social. Isso para ficarmos em apenas um exemplo.
Capital humano: esse item sofre a influência de todos os anteriores, com o agravante de que no quesito formação e educação, Manaus também patina, comparada a capitais das regiões sul e sudeste. Apesar de estar em ampla vantagem sobre os municípios do interior do Estado, a capital é carente de mão de obra especializada, principalmente no campo das novas tecnologias, essencial para o desenvolvimento de cidades inteligentes.
Projeção internacional: Manaus reivindica o título de “capital da Amazônia”, mas tem muito pouco a oferecer na área de meio ambiente. Apesar de concentrar indústrias de diversos países no seu polo industrial, a capital do Amazonas tem baixíssima projeção internacional em termos econômicos. Na questão ambiental, tem aparecido para o mundo mais como um problema do que como um exemplo a ser seguido.
Já passou da hora de a governança, de fato, começar a pensar em estratégias que mude esse estado de coisas e leve Manaus a, pelo menos, sonhar em ser uma cidade inteligente.