Nesta semana, a Igreja Católica do mundo inteiro celebra a ‘Semana Laudato Si’‘ em comemoração aos cinco anos da publicação de uma das cartas papais mais lida e comentada dos últimos tempos. O lema da semana é bastante oportuno neste tempo de pandemia. ‘Ecologia Integral: um caminho de vida e de cura para um planeta doente – lições e desafios da encíclica Laudato Si’’ depois de 5 anos de sua publicação’, vem mobilizando milhares de atividades replicadas no mundo inteiro para retomar a leitura interpretativa da Carta/Encíclica Laudato Si’, expressão latina que significa ‘louvado sejas’.
A Carta/Encíclica do Papa Francisco é resultado de um estudo profundo sobre a grave crise ambiental que estamos vivendo. Uma crise ambiental que é também crise ética e moral, crise dos valores humanos e do modelo capitalista neoliberal. Há tempos esta crise vem preocupando diversos setores da sociedade que “reconhece a Natureza como sujeito de direitos”. Esta foi uma das conclusões da Convenção sobre a Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro durante a ECO-92. A visão antropocêntrica utilitária está superada, o que significa dizer que os humanos não podem mais submeter os recursos da Natureza a uma exploração meramente comercial ilimitada, que coloca em risco a própria humanidade.
O artigo 49 da Laudato Si’ afirma que a crise ambiental é uma crise ecológica e que “a verdadeira abordagem ecológica se torna uma abordagem social que dever integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente: ouvir o clamor da terra e ouvir o clamor dos pobres”. Esta crise é consequência de o modelo de desenvolvimento pautado pelo mercado e centrado no consumo exacerbado de bens que não conhece limites. Este modelo tem implicâncias no clima, na biodiversidade, no uso da água, na vida dos pobres. Isso acontece porque o poder financeiro tem sido colocado acima da dignidade humana e do meio ambiente. Por isso, as cúpulas mundiais sobre o meio ambiente não têm conseguido provocar mudanças substancias na nossa relação com a natureza.
No artigo 59 a Laudato Si’ nos convoca a superar a ecologia superficial ou aparente que não provoca as mudanças necessárias na nossa relação com o planeta gravemente doente. O artigo 68 da Laudato Si’ alerta que o “ecocídio, enquanto ação de um antropocentrismo despótico, que se desinteressa pelas outras criaturas” contribui para o genocídio irresponsável e egoísta que só poderá ser impedido com uma ampla aliança entre as Igrejas cristãs, outras religiões e com todas as pessoas de boa vontade, a quem o Papa Francisco dirige a Carta/Encíclica, comprometidas com a vida do planeta.
A pandemia que estamos enfrentando atualmente confirma a tese da Laudato Si’ que afirma que o planeta está doente e se não for tratado urgentemente, poderá vir a morrer de um mau que não tem cura: “o egoísmo humano” (Laudato Si’, 204). Contra todo o mau do egoísmo, a Laudato Si’ apresenta o itinerário da Ecologia Integral, amplamente retomado no Sínodo Especial para a Amazônia e sistematizado na Exortação Pós-Sinodal ‘Querida Amazônia’. Trata-se de um itinerário provocativo que nos convoca a mudanças pessoais, sociais, políticas, culturais.
Neste itinerário a Amazônia tem um papel importante porque é depositária de modelos de sociedades tradicionais que comprovam a eficácia da Ecologia Integral. Na noite de ontem, a Arquidiocese de Manaus realizou um debate online, no qual participamos, para refletir sobre a importância dos povos tradicionais da Amazônia na interpretação da Laudato Si’ (https://www.youtube.com/watch?v=FIlcuGdTcWk). A live contou com quase três mil acessos durante o debate com centenas de comentários de diversas regiões do Brasil, o que indica a relevância desta reflexão e a atualidade da Laudato Si’.
A Amazônia é um referencial para a Laudato Si’, mas, tem sido submetida a uma mercantilização desmedida de seus recursos naturais num ritmo tão acelerado que poderá comprometer o próprio bioma num rápido processo de savanização da floresta devastada pelas queimadas, resultando num ecocídio sem precedentes na história de humanidade. A mercantilização da Amazônia tem colocado em risco a vida da pachamama e das gerações futuras nesta parte do planeta.
O ecocídio é a morte de todo o ecossistema do qual fazemos parte. Essa tomada de consciência de que não existe um mundo natural separado do humano é a primeira grande lição do itinerário da Ecologia Integral. Essa dicotomia precisa ser superada porque “tudo está interligado, e isto convida-nos a maturar uma espiritualidade da solidariedade global” afirma o final do artigo 240 da Laudato Si’.
A Ecologia Integral proposta na Laudato Si’ nos faz repensar o nosso lugar nesta parte do planeta chamada Amazônia, e nos faz sentir que somos parte interdependente desta parte do planeta. Nessa perspectiva, cuidar da Amazônia significa cuidar de nós mesmos e garantir o futuro das próximas gerações. Este cuidado não se materializa em ações isoladas. Faz parte de um novo entendimento da justiça social que implica conhecer profundamente como funciona o ecossistema, respeitar seus limites e trabalhar pela sua manutenção. Por fim, cuidar desta parte do planeta na Amazônia significa defender e cuidar de seus povos terrivelmente afetados pela pandemia, correndo risco de genocídio em algumas regiões. Uma forma concreta de celebrar o 5º aniversário da Laudato Si’ neste tempo de pandemia, como sobreviventes deste vírus exterminador, é reconhecer que estamos tendo uma segunda chance de rever o significado de nossas vidas em favor de toda vida do planeta. Louvado sejas! Laudato Si’.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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