A história das sociedades humanas é marcada não somente pela criminalidade, mas também pelo anseio de superá-la, tanto por via de estratégias preventivas quanto por meio de intervenções de controle.
A epidemia da violência e do crime, comum e organizado, que assola povos em distintas épocas e contextos culturais da humanidade, tornou-se ainda mais visível e mensurável em nosso tempo. Há atualmente e indicadores, números, diagnósticos e prognósticos que permitem revelar a economia do crime ou dos ilegalismos com maior clareza como nunca antes se conseguiu fazer. No entanto, é preciso avançar e ser mais preciso quanto ao movimento da robusta economia do ilícito.
Essa realidade nos coloca diante de questionamentos essenciais: o que fazer para prevenir e controlar a criminalidade? Estamos, de fato, combatendo a violência, o crime, a impunidade ou apenas “fazendo de conta”, dando vazão à sede de vingança enquanto alguns grupos privados tiram proveito e lucram com a insegurança pública? Buscamos a justiça ou estamos apenas fazendo concessões à pulsão de poder e de morte? Por que ainda não conseguimos livrar a vida social de processos autofágicos? Tais problemas decorrem da sistêmica persistência da indústria da violência e do crime em nossas sociedades.
De acordo com o relatório mundial sobre a violência e a saúde (2002), a OMS (Organização Mundial da Saúde) afirmou taxativamente que, independentemente de fé e questões subjetivas, há evidências de que
“Os fatores que contribuem para respostas violentas – sejam eles de atitude ou comportamento ou relacionados a condições mais abrangentes sociais, econômicas, políticas e culturais – podem ser mudados.”
A violência, a criminalidade, a corrupção, a viciação humana não são elementos naturais nem fixos no tempo e no espaço, com se não admitissem transformações. É certo que, às vezes, tentam naturalizá-los, mas não são de modo algum determinados pela natureza física ou biológica tão somente. Pelo contrário, já está amplamente demonstrado que o peso dos fatores sociais, institucionais e de configurações culturais prevalecem, fazendo com que os fenômenos de violência, corrupção e criminalidade variem de acordo com a realidade sociocultural de povos e sociedades.
Devido a isso, tem-se buscado rever ações, programas, estratégias, a fim de alcançar resultados mais eficazes das intervenções preventivas e repressivas da criminalidade. Não existem fórmulas mágicas, receitas infalíveis, solução única ou salvadora para todas as realidades, como muitas vezes aquele que se autoproclamam “entendidos do assunto” ou “salvadores da pátria” tentam impor. É necessário considerar as múltiplas formações sociais, como também a contribuição das várias áreas do conhecimento (técnico, científico, acadêmico), inclusive levando em conta criteriosamente o saber tradicional. Não de deve ignorar nem esquecer que nenhuma solução ou resposta poderá vingar, ou ser bem sucedida, se não contar com a participação e a cooperação de todos os envolvidos (indivíduos e coletividades). Essa participação, além do mais, confere legitimidade a todo o processo de prevenção e controle da violência e da criminalidade.
Sem essa legitimidade, as estratégias e ações, sejam preventivas sejam de controle, caem no vazio da inefetividade social, política, econômica e cultural. Cada um precisa fazer a sua parte e incentivar que os outros também a façam. Todos são responsáveis pela segurança pública. Desse modo, tende-se a construir processos preventivos e repressivos mais eficazes, que surtam efeitos, e alcancem um grau de efetividade.
As estratégias preventivas de tratamento da criminalidade devem considerar as nuances da realidade concreta e os crimes para os quais se destinam ou se propõe a prevenir e combater, inclusive levando em conta aspectos estruturais relativos às condições econômicas, políticas, ambientais e culturais.
Programas e ações que promovem o emprego, a ocupação integral, a ludicidade assistida, a educação e a geração de renda à população mais vulnerável a riscos de recrutamento pela economia do crime, a criação de espaços de socialização para a cultura da licitude e da liberdade, o saneamento básico, a iluminação pública, a eliminação da influência nociva de fatores criminógenos (vícios, álcool, drogas, armas, jogos de azar, prostituição, corrupção…) podem ser classificadas, dentre outras, como as estratégias preventivas.
Medidas e intervenções de controle da criminalidade caracterizam-se por atuações de combate, repressão a delitos e aprisionamento de criminosos, envolvendo ações de inteligência policial, planejamento tático, operações, abordagens em série, ação de grupos policiais especializados, dentre outras estratégias de controle que vão muito além do policiamento a pé ou motorizado, pois presumem a aplicação de modo mais severo da lei. Cita-se, por exemplo, o programa “tolerância zero”, as ações decorrentes da teoria “das janelas quebradas” e outras estratégias de controle da criminalidade pela polícia.
São diferentes as estratégias e enfoques, mas todas cumprem um papel relevante, considerando a situação concreta. Nesse sentido, as estratégias de prevenção e de controle interagem, embora com impactos diferentes em termos de eficácia social e de custos. Na década passada, o BID (Bando Interamericano de Desenvolvimento) demonstrou quantitativamente que investir em prevenção sai muito mais barato: concluiu que para cada dólar gasto em estratégias preventivas economizava-se outros sete destinados a ações de controle da criminalidade. Além disso, evitam-se os chamados “efeitos colaterais” decorrentes de políticas que primam pelo modelo repressor e encarcerador (superpopulação de presídios, instalação de facções, rebeliões, fugas em massa, constante crises de insegurança dentro dos cárceres, aumentos crescentes de gastos com sistema prisional etc).
É recomendável, portanto, primar pelo investimento em estratégias preventivas, mas não se pode descartar a recorrência a ações e estratégias de controle da criminalidade, sobretudo frente às organizações criminosas, as quais operam e tentam difundir a economia do crime em toda parte.
Desse modo, coordenar o uso de estratégias preventivas e repressivas (de controle) é essencial para enfrentar a violência e a criminalidade, dosando-as adequadamente, de acordo com a realidade concreta. A sintonia fina desse processo deve considerar o modelo de sociedade que se tem em vista promover: uma sociedade do controle sitiada de aparatos de poder, polícia e presídios ou outra sociedade na qual prevaleça a liberdade, a justiça, o desenvolvimento e a solidariedade.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.