
Por Feifiane Ramos, do ATUAL
MANAUS — A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que limita a semana de trabalho a 36 horas e põe fim à escala 6×1 tem gerado polêmica dobre o impacto na economia. Para alguns economistas, a redução da jornada irá gerar aumento dos custos operacionais e risco de fechamento de empresas. Os sindicalistas afirmam que a redução na carga horário trará benefícios à saúde do trabalhador e gerará mais empregos.
É o caso do presidente do Sindmetal (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Siderúrgicas e Similares de Manaus), Valdemir Santana. Ele afirma que a implementação da PEC será uma grande conquista para os trabalhadores. Santana lembra que a última vez que houve uma redução significativa da carga horária foi em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, quando foi estabelecida 44 horas semanais de trabalho.
“É fundamental a jornada de trabalho para 36 horas. Com isso, milhares de trabalhadores que estão doentes vão parar de ficar doentes com atividade repetitiva, exaustão e doença mental”, diz Valdemir.
Para o sindicalista, políticos que se opõem à PEC precisam entender que o Brasil tem um dos piores salários da América Latina, o que é “vergonhoso” se comparado à quantidade de horas trabalhadas. “Nós damos total apoio para a redução da jornada de trabalho”, disse ele.
“Vai ter impacto positivo né, porque terá mais pessoas trabalhando. Se reduzir para 36 ou 40 horas semanais, melhorará a questão de empregos. E esse empresas, a folha de pagamento, é insignificante no Brasil. Não chega a 1% a folha de pagamento sobre o faturamento”, afirmou.

Valdemir também destacou que as maiores causas de afastamento do trabalho pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) são doenças provocadas por atividades repetitivas. “Mais saúde para o trabalhador, mais produtividade, mais crescimento para o nosso país e menos pessoas desempregadas”, são vantagens enumeradas por Santana.
O líder sindical acrescenta: “Os empresários têm que entender esse processo, que o encargo social é alto, então, vamos reduzir o encargo social, não aumentar a jornada de trabalho […], o povo quer trabalhar e não ser escravizado”.
Atualmente, no Brasil, a jornada de trabalho é regulada pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que determina uma carga de 8 horas diárias e 44 horas semanais, com uma folga. A escala de trabalho mais comum é a de 6×1, em que o trabalhador cumpre seis dias na semana, com um dia de descanso.
A PEC muda esse sistema de trabalho para uma jornada semanal de 36 horas, com a escala 4×3. O modelo propõe uma alternância de quatro dias de trabalho e três de descanso, visando melhorar a qualidade de vida do trabalhador, sem reduzir sua remuneração.
Impactos econômicos
Para o economista Altamir Cordeiro, vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Estado do Amazonas, a redução da carga horária pode ter sérias consequências econômicas, principalmente em setores que dependem fortemente de mão de obra intensiva.
“A consequência direta da redução da carga horária é maior contratação de mão de obra e aumento dos custos operacionais, principalmente das atividades intensivas de mão de obra. Os principais setores afetados seriam a indústria, comércio, bares e restaurantes e construção civil”, afirma.
Cordeiro ressalta que, sem um planejamento adequado e a implementação de reformas estruturantes, a medida pode não gerar o efeito desejado de aumento da empregabilidade. Pelo contrário, ele acredita que pode levar ao fechamento de empresas incapazes de arcar com os novos custos.
“Com muitas empresas não conseguindo arcar com os custos adicionais, é possível que ocorra o fechamento de estabelecimentos e a perda de empregos”, pondera Cordeiro.
O economista também questiona a eficácia da proposta em um contexto de baixa produtividade no Brasil. Ele cita que a redução das horas de trabalho sem um planejamento adequado pode agravar ainda mais a situação econômica do país.
“A produtividade brasileira é muito baixa, e a redução da jornada de trabalho fará uma diminuição ainda maior se for feita sem o devido planejamento e sem a implementação de outras reformas estruturais no Brasil”, explica.
Além disso, Cordeiro alerta para o risco de aumento da informalidade e para os impactos sobre o custo do trabalho. Se a jornada for reduzida sem uma diminuição proporcional nos salários, as empresas poderiam optar por alternativas como a redução do quadro de funcionários ou o aumento da informalidade.
“A mudança da jornada de trabalho sem redução de salários representaria um aumento dos custos do trabalho, e muitas empresas não conseguiriam suportar esses custos. Ao invés de aumentar a empregabilidade, poderíamos ver o desemprego aumentar e uma redução na produção”, explica o economista.
Segundo Cordeiro, o Brasil ainda precisa passar por reformas estruturais, como a reforma tributária em andamento, antes de implementar mudanças significativas como a redução da jornada de trabalho.
“Ainda não há condições estruturais e conjunturais para a economia brasileira aplicar a redução da jornada de trabalho. Há outras reformas que ainda precisam ser implementadas e regulamentadas, como a reforma tributária”, conclui.
Qualidade de vida
O economista Dean Athayde observa que em outros países onde a carga horária reduzida é adotada, a medida tem se mostrado eficaz. No entanto, ele pontua que no Brasil existem desafios específicos que exigem uma análise cuidadosa sobre os impactos dessa mudança em diferentes setores.
“O grande ponto que estão colocando é a qualidade de vida dos trabalhadores, isso é importante também ser levado em consideração. O índice de Burnout aumentou bastante. Tem pessoas criando grande estresse, tendo algum problema dado à sua atividade profissional, então isso é uma questão de saúde pública. Mas essa redução na carga horária pode, sim, gerar um custo adicional para as empresas”, afirma Athayde.
Ele afirma que atividades como comércio, padarias e supermercados, que operam frequentemente de segunda a segunda-feira, enfrentam desafios para implementar a medida sem aumentar os custos operacionais.
“Se você reduz a carga horária, você terá que contratar mais pessoas para operar naquele dia, nos três dias adicionais. Isso já gera um custo adicional para a empresa, nesse segmento, por exemplo”, explica Athayde.
O economista ainda faz uma comparação com outros países onde a redução da jornada de trabalho foi implementada com sucesso, mas observa que, no Brasil, as margens de lucro são apertadas, especialmente para microempresas, que geram a maioria dos empregos no país. Ele questiona como essas empresas, que já enfrentam altos custos operacionais e tributação, lidarão com a imposição de uma carga horária reduzida.
“Como é que as empresas, principalmente as microempresas, que já operam com margens de lucro muito apertadas, com uma carga tributária muito alta, vão lidar com isso? Esse é um novo desafio para elas”, afirma.
Athayde conclui que o momento exige uma discussão ampla sobre os riscos e as possibilidades dessa mudança, reconhecendo os benefícios potenciais, mas também destacando os desafios que ela representa para o mercado de trabalho brasileiro.
Brasil e ranking
O Brasil está entre os países do G20 com as maiores médias de horas semanais trabalhadas, segundo dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho). O país só fica atrás de economias como a Índia, China, México, África do Sul, Indonésia e Rússia no ranking. A média de carga horária semanal no Brasil é elevada, com boa parte da força de trabalho cumprindo jornadas superiores a 40 horas semanais.
De acordo com a OIT, a Índia lidera esse ranking, com uma média de 46,7 horas trabalhadas por semana, sendo que 51% dos trabalhadores do país enfrentam jornadas superiores a 49 horas semanais.
A China ocupa o segundo lugar, com uma média de 46,1 horas semanais. Outros países, como México e Rússia, também apresentam médias de jornada mais longas, refletindo a realidade de grandes economias emergentes.
No entanto, comparado a outras nações do G20, o Brasil ainda apresenta uma carga horária mais pesada. O Canadá, por exemplo, é o país do grupo com a menor média de horas trabalhadas, com apenas 32,1 horas por semana. Apenas 9% dos trabalhadores canadenses têm jornadas superiores a 49 horas. Outros países como Austrália (32,3 horas), Alemanha (34,2 horas) e França (35,9 horas) também têm jornadas significativamente menores do que a brasileira.
No ranking global, o país com a maior carga horária é o Butão, com uma média impressionante de 54,4 horas semanais, e mais de 60% de seus trabalhadores realizando jornadas de trabalho superiores a 49 horas. Já o país com a menor média de trabalho semanal é Vanuatu, localizado na Oceania, com apenas 24,7 horas semanais e somente 4% de sua força de trabalho ultrapassando as 49 horas.
A OIT enfatiza que a carga horária adequada é um componente essencial do trabalho decente, com impactos diretos no bem-estar dos trabalhadores e nas suas condições de vida.
Nesse contexto, a PEC que propõe a redução da jornada de trabalho no Brasil se torna uma discussão importante, não só para melhorar a saúde física e mental dos trabalhadores, mas também para promover um equilíbrio melhor entre a vida pessoal e profissional.
Quem entende de economia, um sindicalista ou um economista?