Da Redação
MANAUS – Pesquisa do Instituto Oswaldo Cruz em parceria com o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, também da Fiocruz, mostra potencial benefício do selênio contra a doença de Chagas, causada pelo parasita Trypanosoma cruzi que se aloja no coração e ataca o músculo cardíaco.
Publicado na revista científica internacional EClinicalMedicine, o resultado do primeiro ensaio clínico com suplementação de selênio para pacientes com cardiopatia chagásica apontou potencial benefício do tratamento em pelo menos um subgrupo de pacientes.
O estudo atendeu pessoas com a doença de Chagas crônica com problemas do coração de grau leve a moderado, que são classificados como estágio B. O trabalho confirmou a segurança do uso do selênio, sem registro de reações adversas. No subgrupo de pacientes com cardiopatia moderada, classificada como estágio B2, as análises indicaram que a evolução da gravidade dos problemas melhorou após o tratamento.
De acordo com os autores da pesquisa, o resultado é positivo e indica que novos estudos devem ser realizados. “Foi um resultado estatisticamente significativo, porém em uma amostra pequena. Agora, é importante a confirmação em novas pesquisas, incluindo tempo mais longo de seguimento, mais pacientes no estágio B2, pacientes no estágio C e voluntários de diferentes regiões do Brasil”, disse Tania Araujo-Jorge, coordenadora do projeto e pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz.
“Este foi o primeiro ensaio clínico randomizado que testou o uso do selênio para prevenir a piora da função contrátil do coração na cardiopatia chagásica. O ensaio mostrou que existe um subgrupo de pacientes em que o tratamento foi benéfico, o que nos animou muito e gerou perguntas para novas pesquisas”, acrescentou Marcelo Holanda, cardiologista e pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas.
Padrão-ouro
Sessenta e seis pacientes atendidos no ambulatório de doença de Chagas do Instituto de Infectologia participaram da pesquisa, que seguiu protocolos considerados padrão-ouro para ensaios clínicos. Os voluntários foram alocados de forma aleatória nos grupos para receber o tratamento ou o placebo, através de um procedimento chamado de randomização, que faz com que os dois grupos tenham pacientes com perfis semelhantes em relação a fatores que podem influenciar no resultado do estudo, como idade, gênero, gravidade dos problemas cardíacos e medicamentos usados para a cardiopatia.
Além disso, durante todo o acompanhamento, tanto os pacientes como os avaliadores não sabiam quem estava recebendo selênio e quem estava tomando placebo. Chamado de cegamento, o procedimento evita a predisposição a reconhecer sinais de melhora em quem usou a medicação ou piora em quem não usou.
Ao final do estudo, a evolução da doença nos dois grupos foi comparada. O resultado mais relevante foi observado entre os pacientes com cardiopatia de estágio B2, que apresentavam inicialmente perda moderada da força de contração do coração.
Após um ano de acompanhamento, os voluntários que tomaram selênio mantiveram ou melhoraram a função cardíaca, enquanto aqueles que tomaram placebo mantiveram a mesma condição ou pioraram. Considerando a média de cada grupo, a diferença foi estatisticamente significativa.
Já entre os pacientes com cardiopatia de estágio B1, que apresentavam alteração leve da função cardíaca no começo do estudo, não foi observada diferença estatisticamente significativa entre o grupo tratado e o placebo após um ano de acompanhamento.
No entanto, alguns dados indicam que pode haver benefício do tratamento, e que seria indicado o seguimento por maior tempo, pois alguns casos de melhora da função do coração foram observados apenas entre os pacientes que tomaram selênio. No total dos participantes, em média, a progressão da doença foi um pouco menos acentuada entre os voluntários tratados com selênio.
Um maior tempo de seguimento dos voluntários deve contribuir para elucidar o potencial benefício do selênio. “Em função dos resultados do ensaio clínico, podemos sinalizar que a reposição de selênio poderia ser um tratamento coadjuvante para retardar a progressão da doença. Agora, é necessário aumentar o tempo de seguimento de um para cinco anos e verificar se esta tendência positiva a progredir menos se mantém”, afirmou Alejandro Hasslocher, colaborador do estudo e pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia.
“Caso isso aconteça, o passo seguinte é incorporar na rotina de tratamento dos pacientes com cardiopatia chagásica crônica a suplementação com selênio”, completou.
A necessidade do teste com dose mais alta do suplemento é reforçada pela avaliação dos níveis de selênio no sangue dos pacientes que participaram do estudo. “Ao final do ensaio clínico, observamos aumento no número de pacientes com níveis ideais de selênio no grupo que recebeu a suplementação. Porém, alguns ainda permaneceram abaixo dessa faixa, o que indica que a dose utilizada pode ter sido menor do que o necessário”, afirma Beatriz Gonzaga, colaboradora da pesquisa e doutoranda do Instituto Oswaldo Cruz.
As opções atualmente disponíveis para o tratamento são as mesmas utilizadas por pacientes que apresentam cardiopatia por outras causas, como por exemplo, por infarto. São medicamentos que podem melhorar a função do coração, mas não atacam as causas do problema em si, e não conseguem impedir que a cardiopatia chagásica piore progressivamente.
O parasita Trypanosoma cruzi se aloja no coração e ataca o músculo cardíaco. Na tentativa de combater o parasito, o organismo desencadeia uma reação inflamatória, que nem sempre é bem controlada e pode ser exagerada, de modo a agravar ainda mais as lesões no órgão.
Esse processo ocorre durante anos e, como resultado, forma-se uma espécie de cicatriz no músculo cardíaco, prejudicando sua capacidade de bombear o sangue e de realizar normalmente a atividade elétrica do coração. Assim, cerca de 30 anos depois da infecção, os pacientes começam a apresentar os sintomas da cardiopatia chagásica, em geral, com alterações no eletrocardiograma, que são o primeiro sinal da forma cardíaca da doença de Chagas.