Lembraria o roteiro de um hollywoodiano filme de superação. O goleiro chega ao time mais popular do país e após algumas boas atuações é convocado para a seleção da pátria. Depois desse momento de apogeu, entretanto, começa a péssima fase.
O goleiro comete falhas bisonhas em jogos seguidos e começa a conviver com os epítetos culinários e negativos dados aos que não exercem bem a posição mais ingrata do futebol: ‘frangueiro’ e ‘mão de alface’. Os críticos também notam que ele não consegue defender pênaltis.
As falhas seguem, até que o inevitável chega e ele perde a titularidade. É hora de treinar mais para recuperar o prestígio. Passa algum tempo e a chance chega em um jogo decisivo. Na partida, porém, ele falha em três dos quatro gols que seu time leva. Por pouco, a equipe não é eliminada.
Em outra competição, num novo jogo decisivo, nova chance de redenção. O time dele está vencendo e ele quer mostrar que está recuperado. Em uma falta de longe em favor do adversário, ele manda a barreira abrir. Facilitar a vida do chutador é uma forma de demonstrar força interior muito adotada pelos mais confiantes goleiros. O chute vem e… nada de defesa consagradora. Ao contrário, ele “aceita” o gol. O jogo termina em empate, mas há uma nova chance de brilhar: disputa de pênaltis.
Ao final das cinco cobranças, porém, sua equipe é eliminada da competição e ele, outra vez, não conseguiu pegar nenhum pênalti.
No dia seguinte, entre os jornais que ‘massacram’ o seu desempenho, um usa a primeira página para afirmar que, por falta de merecimento, não usará mais seu apelido ‘The Big Wall’. Muitos acham a atitude do periódico exagerada e o goleiro ganha um pouco de simpatia pública.
Passa mais algum tempo e sua equipe chega à final de uma competição importante. O acaso parece conspirar em favor do goleiro. O titular não vai atuar por não poder ser inscrito. O outro profissional, que poderia jogar, quebra o pulso direito em um treino. Tudo agora está, literalmente, nas mãos do protagonista.
A torcida tenta lhe transmitir apoio. Alguns fazem poemas épicos com prognósticos de seu triunfo e volta por cima. Outros confeccionam bandeiras com a imagem dele. Muitos repetem uma profecia bíblica: “os humilhados serão exaltados”. O clube divulga notícias de que o goleiro está treinando arduamente defesa de pênaltis.
Chega a grande final. O jogo termina em empate e o título será decidido nos tiros livres diretos da marca de pênaltis. No estádio e nas casas, muitos torcedores já temem ou imaginam cenas apoteóticas no desfecho. O goleiro sendo carregado pela multidão em êxtase após ser o grande herói da conquista. Seria o fim ideal de uma dramaturgia inspiradora.
Na realidade, porém, o projeto de herói nem chegou perto de “salvar o mundo e ficar com a mocinha”: não agarra nenhum pênalti. O Flamengo perdeu a final da Copa do Brasil para o Cruzeiro. Não vai ter filme de aclamação do goleiro Alex Roberto, o ex-Muralha.
A crença em finais felizes para histórias como a do goleiro do Fla se enquadra no conceito de uma expressão idiomática inglesa complicada de traduzir: wishful thinking. É um tipo de pensamento seletivo em que todos os ‘sinais’ que confirmem suas crenças são valorizados e em que todas as evidências que contradigam essas convicções são ignorados
Seria como acreditar em algo ou esperar que determinada coisa aconteça só porque você deseja. Mesmo que tal crença não esteja baseada em fatos e provas.
Um exemplo dessa formação de crenças de acordo com o que é agradável de se imaginar, ao invés de sustentadas na racionalidade, aconteceu com o próprio arqueiro rubro-negro. Tanto ele quanto o goleiro adversário receberam um dossiê com análise sobre os cobradores do time rival.
O goleiro do time vencedor, Fábio, decidiu se debruçar sobre a pesquisa. Já Alex Roberto resolveu, como ele mesmo disse, “ouvir o seu coração” e usou a estratégia de pular todas as cobranças para o mesmo lado: o esquerdo do batedor.
Seria uma boa demonstração de que a intuição sobrepuja o estudo elaborado. Ou que desejar algo é suficiente para a realização. Mesmo em um esporte com características peculiares como o futebol esse wishful thinking não deu certo.
Outra ‘lição de cinema’ dessa decisão dos pênaltis é que, quando a gente se joga em busca de algo e nada do que era imaginado acontece, pode ser porque a gente esteja indo para o lado errado.
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