Uma desavença entre marido e mulher se tornou também, recentemente, um curioso debate esportivo. Além de entreveros clubistas, o assunto ainda gerou discussões envolvendo guerra dos sexos, o papel da família na realização pessoal e reflexões de filosofia de botequim sobre a felicidade.
O fato foi que, na última segunda-feira, 29, o goleiro Julio César foi apresentado no Flamengo após assinar contrato de três meses com o clube pelo qual receberá o total de R$ 15 mil, uma mixaria em comparação aos rendimentos astronômicos pagos no futebol mundial. Era também o retorno do atleta que já foi o melhor do mundo, um ídolo regressando ao seu time do coração.
No mesmo dia, a esposa dele, a empresária Susana Werner, fez uma série de vídeos no Instagram em que, desabafando e chorando, expressou todo o seu descontentamento com a situação. Algumas frases da reclamação:
“Felicidades para os flamenguistas, tristeza para mim que estou longe. Ter de passar pelo que não queria, não esperava e não estou feliz de estar longe. (…) Só Deus sabe o que vai acontecer (…) Julio sempre foi pessoa maravilhosa, bom pai, bom marido. Mas homens são egoístas. Não sou feminista, mas é assim. (…) Claro que a gente se ama, estava tudo maravilhoso. No sábado, a gente estava jogando boliche. No domingo, fui chamada para receber essa notícia. Maravilhosa. E qual era a notícia? Vou ali ser feliz e já volto”.
Hoje virou corriqueiro, mas antes os casais evitavam “lavar roupa suja” em público porque a ação atrai muitos que não estão preocupados com o bem-estar do par, mas apenas interessados em saber detalhes da vida alheia. Assim, a exposição do caso aos quatro cantos motivou muita gente a dar palpite na vida do casal. Nas redes sociais, em que tudo é veloz e voraz, já virou gíria “Fazer a Susana”, expressão para designar a atitude de reclamar publicamente do parceiro amoroso.
Ao tomar partido, teve gente lembrando até de situações desconexas como o fato de Julio Cesar ter sido o goleiro do Brasil na derrota vexaminosa por 7 a 1 para a Alemanha. Ou que Susana Werner foi a Bruna Marquezine da Copa de 1998. Segundo uma teoria conspiratória famosa, foi por ciúmes da loira que Ronaldo Fenômeno teria tido aquelas fatídicas convulsões na véspera da final contra a França.
No debate também entrou o clubismo. Os antiflamenguistas afirmaram que, como a decisão é vir para jogar no clube da Gávea, é evidente que o jogador estava errado. Alguns rubro-negros levaram o caso para a galhofa. Usando uma foto de Bruno incluíram a legenda: “Não é bom contrariar goleiros do Flamengo”.
A volta de Julio César e sua ênfase de que era motivado por paixão pelo time do coração, pareceu ser algo de séculos atrás. Em tempos em que o futebol movimenta montanhas de dinheiro, a venda de jogadores virou o melhor dos negócios e que beijar o escudo da camisa é só um protocolo, um profissional falar em amor a um clube pareceu como alguém falando de morrer pela pátria, ou se sacrificar pela fé. Atualmente, o único ‘martírio’ permitido é pela família.
E foi a questão familiar que despertou os maiores embates sobre o caso. Muitos criticaram o fato da decisão ter parecido que não foi bem discutida com a esposa. A questão é que nem sempre as ‘decisões conjuntas’ envolvem consenso. O que fazer nos impasses? Que vontade deve prevalecer?
O que fazer quando algo que lhe faz feliz pode incomodar ou trazer desconforto a pessoas próximas? Avaliar se o desconforto será temporário? Parece que o combinado é que se deve abrir mão de sonhos e projetos em nome da família.
As pessoas que tomam atitudes drásticas em nome da felicidade pessoal são egoístas ou são corajosas?
Daqui a pouco, o casal volta a ficar bem. O que eu achei interessante mesmo nessa história toda foi a frase de Julio Cesar: “Vou ali ser feliz e já volto”.
A torcida do Flamengo já está confeccionando camisas com a frase. A prefeitura do Rio de Janeiro já está usando-a numa campanha publicitária para atrair turistas para o Carnaval carioca. Quantas ideias e conceitos contidos nessa sentença.
A ideia da importância da percepção de que você não está feliz “aqui”, com essa situação, do jeito que as coisas estão. A ideia da importância de se identificar o que lhe faz feliz.
A ideia de que é preciso uma ação para encontrar esse estado de contentamento, o necessário “vou ali ser feliz”.
Também é intrigante o complemento da frase, o “já volto”. Clarice Lispector dizia: “Estou me afastando de tudo que me atrasa, me engana, me segura e me retém. Fui ser feliz, e não volto”.
Por que retornar depois de achar a felicidade? Por um compromisso, uma obrigação?
Seria a felicidade só um refúgio, uma espécie de férias alegres e apenas uma recarga de bateria? Ser feliz é isso? Algo que te revigora e te energiza para ti ter forças para voltar para o “aqui” e enfrentar a rotina, derrotar o cotidiano, superar o dia a dia?
Se o movimento do regresso é necessário, um consolo é que ninguém retorna igual de uma jornada. Quem encontra a felicidade e volta, quem sabe, traz um pouco da felicidade que encontrou.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.