Por Valmir Lima, da Redação
MANAUS – O superintendente-geral da FAS (Fundação Amazonas Sustentável), Virgílio Viana, surpreendeu os membros do Conselho Estadual de Meio Ambiente, em reunião do dia 20 de outubro, durante a discussão de uma minuta de projeto de lei que altera a Política Estadual de Mudanças Climáticas, Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, ao dizer que o dinheiro alocado pelo governo do Estado, uma bagatela de R$ 20 milhões, para os programas geridos pela fundação, não existia mais. Nesta terça-feira, 17, ele confirmou a informação ao AMAZONAS ATUAL, em entrevista exclusiva ao jornalista Valmir Lima. Segundo Viana, o dinheiro foi gasto no pagamento do Bolsa Floresta Familiar, a bolsa que paga R$ 50 por família que mora nas 16 Unidades de Conservação onde a FAS atua. Pelas explicações do superintendente, a FAS fez uma manobra contábil para dar uma satisfação ao Tribunal de Contas do Estado, que obrigou a entidade a prestar contas dos R$ 20 milhões. Por se tratar de dinheiro público, o TCE, ainda na gestão do conselheiro Érico Desterro, começou a exigir que a FAS prestasse contas dos recursos. A entidade relutava e alegava se tratar de uma doação para uma entidade de caráter privado. “Por uma manifestação do Tribunal de Contas, no ano passado, nós fomos instados a prestar contas”, afirma Viana.
O problema não está no gasto em si, mas no desvirtuamento dos recursos alocados para FAS iniciar a política de mudanças climáticas do Estado. Quando foi criado o Programa Bolsa Floresta, em 2007, a entidade recebeu R$ 60 milhões, sendo R$ 20 milhões do Governo do Amazonas, R$ 20 milhões do Bradesco e R$ 20 milhões da Recofarma, fabricante da Coca-Cola no Amazonas. A promessa era de que esses recursos seriam aplicados no mercado financeiro e o pagamento dos programas seria feito utilizando apenas os juros. Era uma forma de dar perenidade ao programa. Agora, Virgílio Viana dá outra versão para o uso do dinheiro público e dos recursos alocados por instituições privadas, no momento em que o governo decidiu tirar a exclusividade da FAS na administração do que vem sendo chamado de comercialização de produtos e serviços ambientais. Nesta terça-feira, à tarde, o Conselho Estadual de Meio Ambiente aprovou a minuta do projeto de lei que poda as asas da FAS, retirando dela e exclusividade da gestão desses serviços, e abrindo a possibilidade para que qualquer entidade ou pessoa física faço o que hoje só é permitido à entidade dirigida por Viana. A minuta ainda vai à Assembleia Legislativa em forma de projeto de lei. Confira a entrevista.
AMAZONAS ATUAL – Nós tivemos acesso à ata da reunião do Conselho Estadual de Meio Ambiente, do dia 20 de outubro, quando foi discutida uma minuta de projeto de lei que altera a lei que instituiu a Política Estadual de Mudanças Climáticas, Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. O senhor se posicionou contrário à proposta e hoje o senhor apresentou aqui no evento uma contraproposta. Por que o senhor é contra a proposta do governo?
VIRGÍLIO VIANA – Esse tema da lei, nós tivemos a oportunidade de fazer uma discussão muito aprofundada com as lideranças das unidades de conservação, que têm tido um processo crescente de envolvimento na formulação de políticas públicas. Esse encontro aqui é um exemplo, uma amostra disso. Sempre dialogam com representantes de governo no mais alto nível, com secretários, enfim. E, no último encontro, que foi em junho ou julho, salvo engano, houve um debate bem aprofundado sobre esse tema, houve um posicionamento deles, dos líderes e a FAS endossou isso. Foi uma discussão feita com a OAB-AM, que liderou a discussão desse tema. E a posição deles é muito interessante e muito sensata: é no sentido de não ter uma descontinuidade na ação que hoje é implementada pela FAS nas 16 Unidades de Conservação em que ela atua. E tem isso previsto em lei. Hoje nós temos isso previsto num Termo de Cooperação [Técnica, com a Sema – Secretaria de Estado de Meio Ambiente], que como o [Antônio] Stroski [secretário da Sema] disse aqui, tem duração por cinco anos.
ATUAL – Foi renovado o Termo de Cooperação Técnica?
VIANA – Foi renovado neste ano, 2015, por mais cinco anos. Então, vai até 2020. Mas é um instrumento muito mais frágil, obviamente, do que uma lei. E ele diz respeito apenas à gestão do Programa Bolsa Floresta, e não à gestão dos produtos ambientais, que é a essência da lógica do pagamento por serviços ambientais idealizada na lei de 2007. Não foi idealizado o Bolsa Floresta pra viver de filantropia, como é hoje o caso. Hoje nós vivemos de filantropia. O governo do Estado não paga o programa. Nós recebemos uma doação inicial do governo do Estado e já foi toda gasta. Até abril deste ano, todo o recurso que o governo colocou, nós já desembolsamos.
ATUAL – Mas o que foi dito lá atrás, quando da criação da FAS, e quando o governo alocou esses R$ 20 milhões para a entidade, junto com o Bradesco, que doou mais R$ 20 milhões, e outras instituições que também doaram, foi que esse dinheiro ficaria em uma aplicação e que o pagamento dos programas seria feito só com os juros do dinheiro aplicado. Isso não aconteceu?
VIANA – Não, o que aconteceu foram três doações e as doações não tinham ônus, chamado no Direito de doações não onerosas. Foram três doações à FAS, e a FAS tomou a decisão gerencial, decisão própria, de criar um fundo e aplicar, como se fosse numa caderneta de poupança, e fazer uma aplicação onde ela poderia sacar do rendimento. Era uma decisão contábil. E, por uma manifestação do Tribunal de Contas, no ano passado, nós fomos instados a prestar contas. E aí, na análise mais legal disso, identificamos que como houve uma doação de R$ 20 milhões do Estado não onerosa, nós tínhamos, portanto, a liberdade de fazer o uso desses recursos, logicamente dentro dos princípios legais e éticos, a qualquer atividade. Então, nós decidimos contabilizar isso como sendo um fundo decrescente. Começa com R$ 20 milhões, faz o primeiro pagamento, fica dezenove vírgula tanto, e assim vai, a Marina [assessora de comunicação] pode até te dar uma cópia da nota técnica que foi feita. Então, é basicamente um recurso que vai se exaurindo. Essa foi a maneira que foi contabilizada formalmente para atender a demanda do TCE. Isso foi formalizado.
ATUAL – Então, foi feito um gasto retroativo dos R$ 20 milhões do governo? Porque antes da manifestação do TCE, a FAS dizia que os programas eram pagos com os juros da aplicação. Foi abatido do gasto que já tinha sido feito?
VIANA – Não. O recurso tem uma característica do ponto de vista legal que é a fungibilidade. Se você põe na sua conta [bancária] uma nota de R$ 100, aquela nota perde a origem, o número da nota, número tal, perde a origem, desaparece, ele apenas passa a ser um número. Esse número você trata da forma como você quiser. Você pode pegar os R$ 100 e comprar uma determinada coisa e os outros R$ 100…(interrompido com a pergunta)
ATUAL – O que eu estou querendo entender é o seguinte: foi dito no início que o Bolsa Floresta e os custos de manutenção da FAS seriam pagos com os juros da aplicação daquele dinheiro aplicado, que eram R$ 20 milhões do governo, R$ 20 milhões do Bradesco e mais da Recofarma, que também alocou recursos, e entidades internacionais… (interrompe)
VIANA – Não, não. Foram três doações de R$ 20 milhões. É importante citar que a gente nunca usou esses recursos para a gestão da FAS. Toda a administração da FAS nunca usou esses recursos, a gente sempre funcionou com recursos de projetos adicionais a esse ou de um convênio adicional a esse com o Bradesco. Então, o custeio da FAS nunca saiu desses recursos. Agora, explicando, talvez, com outras palavras: o recurso que saiu do governo do Estado foi contabilizado como sendo destinado única e exclusivamente ao pagamento do Bolsa Floresta Familiar, que foi corrigido com os índices [de inflação] IPCA, Selic, não me lembro qual; na verdade foi com os dois índices. Depois, optamos pela solução mais vantajosa ao governo do Estado, para não criar nenhuma celeuma, e fizemos a contabilidade, assessorados pelo Pinheiro Neto [escritório de advocacia especializado em direito econômico], que foi, como eu disse pra você, como um fundo decrescente. Esse é que é o tratamento formal.
ATUAL – Já foi prestado contas ao TCE desses R$ 20 milhões?
VIANA – Sim.
ATUAL – O governador José Melo encaminhou um documento no ano passado ao presidente do Conselho de Administração da FAS, Luiz Fernando Furlan, em que questionava a participação exclusiva da entidade na gestão dos serviços ambientais, mas também criticava a falta de reajuste no valor da bolsa paga pela FAS aos comunitários pelo Programa Bolsa Floresta, que começou com R$ 50 há sete anos e até hoje não foi reajustado. Não teve como reajustar o benefício nesse período?
VIANA – Se dependesse da FAS, nós faríamos o valor que o governo quiser, desde que esse dinheiro venha. Nós não temos… Toda parceria público-privada… Se você olhar a gestão de hospitais, o que é que acontece? O governo passa recursos para um ente privado, não governamental fazer a gestão do hospital. Nesse caso, o governo passou os R$ 20 milhões, nós fizemos a gestão dos R$ 20 milhões, prestamos contas e tá gasto. Se o governo quiser aumentar pra R$ 100 ou pra R$ 150, enfim, o valor que ele quiser, do Bolsa Floresta Familiar, nós não temos nenhum problema com isso, nenhum problema, desde que venha o recurso. Agora o que nós temos feito, sim, e isso é um esforço enorme que muitas vezes passa despercebido, que é o fato do Programa Bolsa Floresta ter quatro componentes. E nós temos tido sucesso em achar dinheiro para dois desses componentes, que é o Bolsa Floresta Renda e o Bolsa Floresta Associação. Já investimos só nesses dois componentes cerca de R$ 20 milhões, que foram captados exclusivamente pela FAS, e estamos segurando agora a continuidade desse dois componentes.
ATUAL – Aquela ideia inicial de que a FAS usaria só o dinheiro dos juros para custeio não existe mais? Foi abandonada?
VIANA – Não é pra custeio. Volto a dizer: a FAS não usou os recursos de nenhuma forma dessas três doações que acabei de mencionar para a gestão da FAS.
ATUAL – Me referia a custear os programas, como o Bolsa Floresta…
VIANA – Só o Bolsa Floresta Familiar. Dos quatro componentes, lembrando.
ATUAL – Se o governo não alocar mais recursos não haverá mais o pagamento do Bolsa Floresta Familiar?
VIANA – Não, aí, que vem essa solução que eu acho que é a mais inteligente: é fazer com que, agora, esperamos todos, que Paris avance [refere-se à Conferência Mundial do Clima – COP 21, em Paris, no próximo mês], com todas as bombas, que dê certo, porque se viermos a ter a valorização econômica dos serviços e produtos ambientais, e desses recursos que podem sair o financiamento e o aumento do Bolsa Floresta. Essa que foi a lógica idealizada lá atrás. A lógica lá não foi de doação ou do Tesouro. Lógico que o governo, teoricamente, pode fazer outro aporte de R$ 10 milhões, de R$ 20 milhões, do valor que for, mas a concepção é que esses recursos viriam exatamente da valorização dos produtos e serviços ambientais.