Em meio a este grande fluxo de informações que constituem certa narrativa da crise política e econômica – por um lado a diária novela policial que se tornou o noticiário político, e por outro, a agência de publicidade que é o jornalismo mainstream, convencendo os telespectadores das maravilhas protagonizadas pelas reformas do governo Temer – parte majoritária da criatividade política agoniza numa melancolia sem palavras pra dizer.
A crise que parece não ter fim gera um caos político incomum. Ela, ao mesmo tempo que se estabelece enquanto uma crise estrutural – isto é, na medida que tenta-se tapar um buraco, cria-se outro maior ainda – encontra uma esquerda incapaz de se afirmar enquanto portadora da saída que a população precisa.
A esquerda há tempos que não se faz capaz de propositivamente afirmar a si mesma enquanto pensadora duma práxis progressista e revolucionária. Por ora, realiza uma negatividade tímida, com pouca dialética perante a história. Isto é, não é capaz de produzir a verdadeira negatividade, que só é feita afirmando o novo.
Sofre duma ignorância e incapacidade crônica. Se resumiu nos últimos tempos a gritar “fora Temer”, protestar contra o golpe e contra os desmantelamentos liberais assumidos por Temer. Ora, meras negações nunca foram capazes de mobilizar as massas e aquecer o motor da história – que é a luta de classes. As grandes mudanças só se fizeram realizadas enquanto foi-se capaz de estabelecer objetivos, propor mudanças sérias, e deixar claro a que classe pertence a imensa maioria das pessoas.
Como um pugilista tonto, que não aguenta mais tomar porrada, preso no córner, a esquerda faz isso porque, com a visão turva e dupla, não consegue mais ler o Brasil. Não consegue mais nem ao menos entender para que caminho aponta o desmonte dos serviços públicos e dos direitos dos trabalhadores. Como um jogador de futebol, tomando uma goleada em casa, numa Copa do Mundo, reclama pro juiz sobre algum lance.
As reformas liberais apontam para um passado do Brasil. Um passado anterior a Vargas. Porém não com um vetor do progresso, como se quisesse retomar as estruturas constituídas nesses anos para corrigir os erros do Brasil. As reformas são desmantelamentos do Estado brasileiro. O vetor é outro. Aponta para o que tinha antes da era Vargas – mas agora com um ar de “modernização”, em que o “acordado prevalecerá sobre o legislado” – uma das piores piadas da história do humor tupiniquim.
Não tem ao menos a noção real do inimigo que ela mesma combate. Encara Temer como se nele residisse algo de maldade – mesmo sendo tentador a suspeita ao reparar sua horripilante aparência. Isto é, não se trata da índole de um ou outro ali presente. Nem de falta de ética e condutas imorais, como alguns possam sugerir. A questão é que Temer é o serviçal de um governo de transição. Preparando terreno para algo maior que ele mesmo. Isso é apenas o início dum grande processo global de destruição das conquistas dos trabalhadores associadas com um duro aumento da exploração de sua mão de obra.
Se perguntado, a imensa maioria do país quer mais direitos e serviços públicos de qualidade, reformas estruturais e autonomia nacional. Enfim, já é hora de inaugurar um novo radicalismo político para o país. O inimigo é grande demais. E o trabalho é mais árduo do que nunca. A esquerda precisa dizer, mas antes, precisa saber, pra que veio.
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