O mais belo e emocionante momento esportivo dos últimos tempos não aconteceu numa piscina, pista, quadra ou mesmo dentro de um gramado. Ocorreu na sala de uma casa, ou melhor; um lar como outro qualquer. Foi quando uma risonha e carismática menina cega ‘viu’ um gol pela primeira vez.
O ‘milagre’ foi exibido numa reportagem produzida pela Rede Globo, na semana passada. Foi quando o País conheceu a filha do centroavante do Botafogo Roger: Giulia, 11 anos, cega de nascença. Na gravação, o narrador Luís Roberto foi levado para conversar com pai e filha. A ideia já era muito boa, pois uma das principais formas dos cegos perceberem o mundo é através dos sons. E é ouvindo profissionais como o narrador esportivo que Giulia consegue entender um pouco o trabalho do pai.
Quem observa a reportagem percebe que a deficiência visual parece não ter afetado negativamente a personalidade da garota. Giulia aparenta ser alegre, carinhosa e gentil. Em certo momento, por exemplo, ela diz que a voz do locutor lhe passa emoção. Tanta meiguice seria resultado de nunca ter aprendido a julgar as pessoas pela aparência? Seria, portanto, uma demonstração de que realmente: “A fragilidade do cristal não é fraqueza, mas pureza”?
Em seguida, vem o grande trunfo da reportagem. A inspiração veio do alfabeto em Braile, que permitiu aos cegos conseguir acesso ao maravilhoso mundo da leitura vencendo, dessa forma, a falta de conhecimento – a maior escuridão de todas.
No caso, foram impressos em três dimensões (3D) e alto relevo quadros com três momentos de um gol marcado por Roger. O momento em que ele dribla o zagueiro, o lance em que encobre o goleiro e a comemoração com seus companheiros de time.
O tento marcado sobre o Sport classificou o Botafogo para as quartas de final da Copa do Brasil. Interessante é que quando explica o lance para a filha, Roger faz questão de dizer o nome dos envolvidos, como o goleiro Magrão, o zagueiro Matheus Ferraz, bem como dos colegas que celebraram com ele, o ‘tio’ Pimpão, o ‘tio’ João. Enquanto isso, a filha acompanha tudo com as pontas dos dedos e demonstra empolgação a cada detalhe narrado.
Nenhum gol é qualquer no futebol. Essa raridade decisiva pode ser um dos motivos deste ser o mais popular dos esportes. Grandes multinacionais, como a Nike, já tentaram destronar o futebol do topo mundial. Os executivos investiram bilhões para divulgar modalidades com as quais têm mais afinidade. Americanos preferem esportes dominados pela lógica capitalista. O basquete remeteria à produtividade; o futebol americano, à conquista de território.
Para eles, o ‘soccer’, como chamam o futebol, é absurdo. É inadmissível que após uma partida inteira, decorridos 90 minutos de suor e esforço, haja possibilidade de não haver qualquer recompensa ou ‘lucro’. Ou seja, que existam placares que terminem em zero a zero. No futebol, não adianta ter mais posse de bola, não basta dominar o campo do adversário, nem é suficiente criar mais oportunidades de marcar gols.
O futebol repete a aleatoriedade da vida, a presença do acaso; um mundo em que fazem sentido as preces direcionadas aos chamados ‘deuses dos estádios’. Nesse jogo, afinal, um time mais fraco, inferior, pode receber uma ‘bênção’ ou favor ‘imerecido’ dos céus e conseguir derrotar o oponente mais forte e talentoso.
Todo gol é especial. O gol não tem momento certo para chegar. Pode ser uma obra-prima individual, fruto de um esforço coletivo, pode ser resultado de uma falha ou até de uma autodestruição. Pode surgir de um lance que parecia não dar em nada. Um gol pode mudar um destino antes inexorável.
Acostumado a descrever momentos esportivos emocionantes, Luís Roberto confessou o forte sentimento despertado pelo fato de Giulia ter alcançado o significado de um gol. “No dia da gravação, pegamos um engarrafamento e chorei as três horas dentro do carro. O legal é que não teve ninguém com pena. Ela não é passível de pena. As pessoas estavam tocadas pela família linda”, frisou.
As cenas mais emocionantes da reportagem mostram Giulia dando um abraço apertado na mãe. Evidentemente, ela não sabe que está sendo filmada e de forma natural e espontânea declara: “Mãe, acho que hoje é o dia mais feliz da minha vida. Eu consegui saber como é um gol do papai. Mãe, você não tem noção do que é isso para mim!”.
O mundo seria outro se todo filho ficasse contente ao saber exatamente o que seus pais fazem.
A história de Giulia emocionou o Brasil. Talvez porque ao ‘sentir’ o gol do pai, ela tenha feito muita gente entender uma frase marcante de ‘O Pequeno Príncipe’, um livro que também faz sucesso em Braile. A obra ensina: “Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”.
Confira a reportagem:
https://www.youtube.com/watch?v=n46nQE5b1Ng&feature=youtu.be
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