O ano de 2017 começou sem deixar esfriar os ânimos do cenário político mundial e principalmente nacional. Ânimos estes que se aquecem e se agitam há anos, conforme as promessas de prosperidade popular naufragam e os discursos hegemônicos cambaleiam.
Como se não bastasse a enorme responsabilidade de lutar politicamente por um mundo mais justo, a esquerda vê crescer um mal hospedeiro no contrapé dos seus erros – esse hóspede indesejável é a ascensão do discurso contemporâneo da extrema direita. Que veste, em várias partes do mundo, máscaras diferentes, relativas ao oportunismo que a conjuntura fornece.
Um figura como Trump não é novidade na história, nem a eleição ou um “simples” engrandecimento de figuras assim o são – esse tipo de fenômeno social é historicamente comum em momentos de crise generalizada, tal como a que vivemos atualmente. Na Europa, onde o pensamento ultraconservador nunca deixou de existir, se espalha e ganha força as investidas de um populismo de direita.
O próprio Brexit evidencia alguns sintomas curiosos: nacionalistas de direita, e cidadãos contra o aumento de imigração e o pagamento de taxas ao bloco da União Europeia formaram basicamente os que votaram a favor da saída Britânica.
Por mais contrário à lógica que possa parece, a extrema direita não é formada por sujeitos de capacidade cognitiva duvidosa – pelo menos não somente. O mérito da ascensão dessa via política está pela capacidade de gerir o medo da população, criar uma sensação de nostalgia e investir na fabricação de inimigos como bode expiatório para a tomada de poder.
Isso, evidentemente, não é exclusividade dessa ala dos conservadores – qualquer viés político é capaz de gerir os afetos em prol de seus interesses. O grande problema se faz ao ter-se o poder estabelecido configurado enquanto fascista ou anti democrático. (Para ter-se mais claro, basta ver os excessos e violações cometidos em nome da “segurança” na luta contra o terrorismo islâmico – no passo que o extermínio sistemático no Oriente Médio é informado com desproporcional aceitação – ou até mesmo nos episódios de manifestações frequentes no Brasil).
Por tudo isso, se torna bastante curioso pensar como é possível haver tais ascensões conservadoras em países com o Estado de Bem Estar Social bem estruturado. A explicação talvez passe pela constatação que nas últimas décadas do século XX, um debate comum foi o do “Fim da História”, protagonizado pelo economista Fukuyama, onde assumia-se um triunfo da economia de mercado e da democracia representativa burguesa como o mais alto grau de desenvolvimento e harmonia social.
Toda essa desordem e essa crise generalizada que persistem na atualidade ameaçam fortemente a ilusão de segurança que o capitalismo e suas instituições trouxeram um dia – a própria derrota da Hillary evidencia uma insatisfação da classe trabalhadora americana com burguesia do establishment americano cuja Hillary representava.
Isto é, produz-se então mais uma grande contradição: a própria ideologia da direita se revolta com a própria ordem capitalista. E como se não bastasse, partidos de direita se engrandecem mediante pautas tradicionalmente de esquerda, como direito aos homossexuais e busca de igualdade para as mulheres, e outras minorias, construindo um discurso sedutor para grupos que historicamente jamais se articularam politicamente a esse viés. Prova gigante, da incapacidade por parte dos progressistas de disputar e conquistar a consciência da classe trabalhadora. O que isso significa?
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